Origem dos Doces Finos e Doces Coloniais de Pelotas (RS)

Doces de Pelotes (RS)

Os doces finos e coloniais - registrados pelo Iphan como Tradições Doceiras da Região de Pelotas e Antiga Pelotas (Arroio do Padre, Capão do Leão, Morro Redondo, Turuçu) - resultaram de um longo processo de transmissão e criatividade. Bem casado, marmelada, quindim, pessegada, ninho, camafeu, figo em calda, amanteigado, ameixa recheada, abóbora cristalizada, bolo de noiva e tantas outras delícias fizeram com que essa região ficasse conhecida como a "terra do doce". Mais do que simples quitutes, eles representam um importante contexto histórico e cultural que elevam seu significado para além da função de alimento. 

O Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC) Produção de Doces Tradicionais Pelotenses, realizado no período de 2006 a 2008, ficou a cargo do Laboratório de Ensino e Pesquisa em Antropologia e Arqueologia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e mostrou que as tradições doceiras estão nas mãos de mulheres e homens, oriundos de distintos extratos sociais. Para a maioria das doceiras e doceiros, o ofício é a continuidade das trajetórias de suas famílias, sobretudo, no meio rural, entre os produtores de doces de frutas que se encontram profundamente ligados à região colonial, como um espaço de vivências, trabalho e afetos.

Desde o século XVIII, circulam nas reuniões familiares, festas, cerimônias, ou mesmo trocados entre vizinhos, sendo consumidos como significados partilhados sobre sabores, consistências, tamanhos e maneiras de comer dentro das famílias, com os pares, ou nas novas relações comerciais com a clientela. Os saberes  se formaram não só pela mão portuguesa, mas também pelas mãos dos negros escravizados, dos imigrantes alemães, pomeranos, franceses, espanhóis e de outras nacionalidades, e dos seus descendentes, que afirmaram as suas diferenças étnicas, mas também estabeleceram vínculos sociais por meio do doce. 

As práticas culturais se configuravam mediante o intercâmbio entre a cidade e o campo, com o fornecimento dos ingredientes das receitas, por meio da produção de matérias primas (ovos e frutas vindas das colônias) ou pelas trocas comerciais que se originaram com a opulência das charqueadas, a exemplo da importação do açúcar, das amêndoas e nozes. O açúcar trazido do Nordeste se associou fortemente aos costumes dos imigrantes portugueses que se estabeleceram dentro dos casarões da elite local, gerando uma arte doceira que complementava a riqueza baseada no sal, matéria-prima fundamental para preparar o charque. 

Doces de Pelotas (RS) Doces de Pelotas (RS)

 

Doces finos - Também chamados de “doces de bandeja”, os doces finos eram um elemento de sociabilidade e peça importante no modelo de refinamento das famílias ricas de Pelotas, servidos em meio a saraus, jantares, casamentos e batizados. Saborosos e bonitos associavam-se à tradição doceira portuguesa, a exemplo do camafeu, do pastel de Santa Clara ou da fatia de Braga. A representação dos doces finos como produto aristocrático, legado de tempos áureos, que remete à sofisticação e à herança familiar, restrita a um segmento social da antiga Pelotas, não é a única possível. Outros significados qualificam essa tradição, como ocorre com os doces usados nas oferendas para orixás, em momentos de festa e dias comuns.

Doces coloniais - A tradição de doces coloniais surgiu como empreendimento familiar nas pequenas propriedades dos colonos europeus que chegaram a partir da segunda metade do século XIX. Alemães, pomeranos, italianos, franceses, espanhóis, dentre outros, esses imigrantes se dedicaram à agricultura, à suinocultura e à avicultura para fornecer alimento à população em expansão de Pelotas (RS). Os doces coloniais eram produzidos na safra das frutas e, inicialmente, serviam ao consumo familiar. Compotas, doces de massa, passas e cristalizados eram as formas como os colonos reproduziam ou recriavam receitas dos antepassados. No novo contexto, os modos de fazer trazidos da terra natal tinham que se adaptar às variedades de frutíferas e aos recursos locais. 

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