As Rendeiras

A presença da RendaIirlandesa na cidade de Divina Pastora (SE), com o diferencial dado pela matéria-prima e pelo trabalho meticuloso das rendeiras, é uma importante atividade geradora de renda para mais de uma centena de mulheres, mas, sobretudo, uma referência cultural e elemento constitutivo de diferenciação e identidade. Por meio da literatura específica, é possível estabelecer vinculação direta desse tipo de renda com fazeres seculares que, na Europa, têm uma longa história que remonta ao século XVII. O transplante da técnica para o Brasil e sua inserção em diferentes localidades e contextos socioculturais através do tempo, cortando as classes, as etnias e assumindo feições locais, como ocorre em Divina Pastora, é tema instigante que permite associar esse fazer feminino, de longa continuidade histórica, às mudanças que vão ocorrendo na sociedade brasileira.

Nessa trajetória, comum a muitas localidades nordestinas, a renda irlandesa, enquanto atividade de mulheres saídas dos canaviais e sem vislumbrarem outras alternativas de trabalho, apresenta-se como fonte geradora de ganhos. Mas é também a expressão local dos processos de mudanças da sociedade brasileira, na qual as mulheres demonstram sua capacidade de adaptar-se às novas situações e de apropriar-se de velhos saberes, transplantados da Europa, aqui introduzidos pela tradição oral, mas também por meio de livros escritos em francês que, com o concurso de freiras ou senhoras da aristocracia, como é o caso de Divina Pastora, eram repassados para as mulheres ricas e pobres.

Embora a renda irlandesa seja hoje produzida em outras localidades de Sergipe, é em Divina Pastora onde há a maior concentração de rendeiras e a atividade tem maior importância socioeconômica e simbólica. Presente na região desde o primeiro quartel do século XX, tornou-se responsável pela ascensão social de muitas mulheres, que abandonaram o árduo trabalho nas roças e, fazendo rendas custearam seus estudos, tornando-se professoras. Atualmente, mais de uma centena de mulheres dedica-se à renda irlandesa, melhorando as condições de vida de suas famílias. Ao lado da função socioeconômica, a renda irlandesa é um dos sinais distintivos da identidade local, com a devoção a Nossa Senhora da Divina Pastora, originária do espírito pastoril espanhol, cultuada em majestosa igreja edificada entre os séculos XVIII e XIX, tombada em 1943 e atual centro de uma grande peregrinação anual. 

Transmissão do saber - Trata-se de um saber que se transmite entre as gerações, cujas atoras principais conseguem (re)inventar criativamente as peças de rendas tão bem sumarizadas no relatório. Nessa medida, as menções ao trabalho que se inicia ainda na fase infantil, passando pelo modo de subsistência das rendeiras, bem como a ampla difusão dessa arte no cotidiano de Divina Pastora, guardam profundas ressonâncias nos dias atuais. As mulheres de Divina Pastora nascem e crescem vendo parentes e vizinhos às voltas com a renda e são também incentivadas a aprenderem, com pouca idade. Algumas das mais velhas iniciaram-se na renda antes de aprender a ler. Para outras, as duas aprendizagens ocorreram ao mesmo tempo. Para muitas, aprender a fazer renda cedo era um modo de escapar dos pesados trabalhos da roça, pois tinham suas famílias ligadas ao campo, aos engenhos e às fazendas de plantar cana, próximas da pequena vila.

As redes de sua iniciação na arte são formadas por mãe, avós, tias, irmãs, primas e cunhadas; grupos de vizinhanças e de amizade; iniciação autodidata (“fui vendo e fazendo”); e iniciação por meio de cursos regulares promovidos por entidades públicas ou particulares de apoio ao artesanato. Parentesco e vizinhança ainda hoje em Divina Pastora são os suportes mais fortes na relação ensinar-aprender. Tomando-se como referência a iniciação das rendeiras atuais, observa-se uma variação no relacionamento entre as gerações. 

Modo de Fazer Renda Irlandesa

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    De origem aristocrática, a Renda Irlandesa torna-se, em meados do século XX, uma opção popular de fonte de renda
  • SE_IMAT_Renda_Irlandesa
    O trabalho envolve o preenchimento dos espaços entre os fios de base, realizado manualmente com linha e agulha.
  • SE_IMAT_Renda_Irlandesa
    Após a fixação do fitilho ao papel, compondo o desenho do bordado, os espaços são preenchidos pelas rendeiras
  • SE_IMAT_Renda_Irlandesa
    A linha e agulha são utilizados para a cuidadosa confecção do bordado sobre a base de papel.
  • SE_IMAT_Renda_Irlandesa
    O Modo de Fazer Renda Irlandesa reúne saberes tradicionais re-significados pelas rendeiras do interior sergipano
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