História da Renda Criada com Agulha e Fitilho

Por que a renda é chamada irlandesa? Veio mesmo da Irlanda? Como e quando? Os mais eruditos buscam reatar laços com as antigas tradições dos ofícios europeus e remontam a história das rendas através dos tempos. Uns a vinculam mais diretamente às rendas de Milão, enquanto outros a consideram mais diretamente vinculada às mudanças que se seguem à revolução industrial e ao papel das freiras na educação das moças no Brasil. Originárias dos Países Baixos, Norte da Itália, Inglaterra e França, as rendas de agulha - feitas com linhas e as rendas de agulha feitas com fitilho - são combinações de fitilhos ligados por pontos de enchimento e de ligação, barretas e picôs da renda de Veneza, executada sobre uma tela desenhada.

A técnica da renda de agulha e fitilho é, portanto, baseada nessa associação da fita estreita presa a uma base e a execução de uma variedade de pontos de agulha que preenchem os espaços vazios formados pela fita que lhes serve de sustentação. Atualmente, esta técnica é utilizada pelas rendeiras de Divina Pastora que simplesmente substituíram o fitilho por um cordão achatado. No que se refere ao termo irlandesa, há fundamento histórico no seguinte fato: entre as tentativas para evitar o desaparecimento da renda com a revolução industrial, várias iniciativas surgiram a artir de 1872, sob a proteção de Margarida de Savoia, entre as quais o estímulo deste tipo de artesanato nos conventos irlandeses. Sabe-se, por outro lado, que as religiosas estrangeiras foram as rincipais responsáveis pela educação no Brasil até meados deste século, influenciando, de forma significativa, nos tipos de trabalhos ensinados às alunas. Daí a correlação da renda elaborada em conventos irlandeses e sua difusão, chegando até aqui com esta designação. 

Durante o século XIX, quando a influência francesa marcou mais fortemente a sociedade brasileira, entre os livros importados incluíam-se também obras destinadas a ensinar às mulheres uma grande variedade de trabalhos à mão. Era da versão francesa que as freiras e as sinhás se serviam mais frequentemente para aprender os trabalhos manuais registrados com detalhes através do texto escrito e das muitas ilustrações sobre instrumental, materiais, riscos e pontos que permitiam a execução das rendas e dos bordados.

Entre as modalidades desses trabalhos está a renda irlandesa, apresentada como uma das mais difundidas entre as damas, e cujo material básico, o lacêt, era uma especialidade das manufaturas inglesas. A importância dos trabalhos de agulha na vida das casas grandes está registrada em vários autores desde a colônia, tendo merecido a atenção de viajantes que a fixam em seus quadros, onde senhoras e escravas dividem o espaço doméstico na elaboração das rendas e bordados. 

Abolida a escravidão, as relações entre as pessoas ganham novo estatuto jurídico, mas os vínculos formados na convivência diária se prolongam, reelaborando-se novas formas de dependência e/ou colaboração. Os ofícios e artes manuais são exercidos por homens e mulheres livres, muitos dos quais vivem à sombra dos antigos senhores, não mais senhores de escravos, mas de gente e de terras que cedem para o plantio e aos quais se ligam por muitos laços, alguns dos quais mais apertados pelos filhos gerados fora do casamento.

Outros nomes são evocados ao falar-se da história da renda, legitimando-se com eles outros grupos de organização de rendeiras hoje atuantes na cidade, onde antigas mestras têm lugar de destaque no imaginário local. Sinhá, por exemplo, remetia a uma mulher chamada Aurélia como sua mestra; Maria José, mais conhecida como Dé, é referência para tantas outras, formando cadeias em que mestras e aprendizes se desdobravam para criar outras cadeias perpetuadoras da técnica trazida da velha Europa, passada e repassada pelas mãos de centenas de mulheres brancas, negras e mestiças, portanto de diferentes matizes étnicos e sociais.

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