A Arte Kusiwa é um sistema de representação gráfico próprio dos povos indígenas Wajãpi, do Amapá, que sintetiza seu modo particular de conhecer, conceber e agir sobre o universo. Como Patrimônio Imaterial, a Arte Kusiwa foi inscrita no Livro de Registro das Formas de Expressão em 2002. A Terra Indígena Wajãpi, no Amapá - demarcada e homologada em 1996 - é uma área muito preservada, onde vivem cerca de 1.100 indigenas, em 48 aldeias.
A arte gráfica Kusiwa está vinculada à organização social, com uso adequado da terra indígena e o conhecimento tradicional. Os indígenas usam composições de padrões kusiwa nas costas, outros na face, outros nos braços. A pintura é para todos os dias. Quando os adultos se pintam, os jovens também tem vontade de aprender a fazer composições de kusiwarã no corpo.
Os Wajãpi do Amapá constituem um grupo remanescente de um povo outrora muito mais numeroso, subdividido em vários grupos independentes e cuja população total foi estimada em cerca de 6 mil pessoas no começo do século XIX. Esta etnia tem origem em um complexo cultural maior, de tradição e língua tupi-guarani, hoje representado por diversos povos, distribuídos entre vários estados do Brasil e países adjacentes. Até o século XVII, os Wajãpi viviam ao sul do rio Amazonas, numa região próxima da área até hoje ocupada pelos Asurini, Araweté e outros, todos falantes de variantes dessa mesma família linguística. Leia mais
Mantém-se uma conexão historicamente importante com os grupos Wajãpi e Emerillon (ou Teko), que vivem na Guiana Francesa, e com os Zo´é, do norte do Pará, com os quais os Wajãpi do Amapá compartilham algumas tradições. Entretanto, mesmo variantes de uma mesma família linguística, nem todas as línguas faladas por esses grupos são mutuamente compreensíveis, justamente por expressarem evoluções históricas particulares com evidentes reflexos na diferenciação de suas sociocosmologias.
O modo de vida e as tradições dos Wajãpi do Amapá diferenciam-se significativamente daqueles dos índios da Guiana Francesa, tanto em função do padrão de adaptação ecológica à região de serras do noroeste do Amapá (e não às margens de rios, caso dos Wajãpi do Oiapoque) como na suas experiências de contato, tendo os do Amapá ficado mais isolados, até a década de 1970, da convivência com a população não-indígena. No que diz respeito aos conteúdos de sua mitologia e de sua iconografia, as diferenças são também muito evidentes. Assim, o repertório codificado de padrões kusiwa utilizado hoje pelos Wajãpi do Amapá não é reconhecido, nem compartilhado, pelos Wajãpi da Guiana Francesa, cujos sistemas iconográfico e cosmológico são produtos de outra história e resultantes de sua convivência maior com grupos de língua caribe – entre eles os Wayana.
Para decorar corpos e objetos, os Wajãpi do Amapá fazem uso da tinta vermelha do urucum, do suco do jenipapo verde e de resinas perfumadas. Onças, sucuris, jibóias, peixes e borboletas são parte de um repertório codificado de padrões gráficos. É por meio de suas formas ou de sua ornamentação, tal como lá no início dos tempos foram percebidas pelos primeiros homens, que os Wajãpi expressam a diversidade de seres, humanos e não humanos que, com eles, compartilham o universo.
O repertório se modifica de forma dinâmica, pela própria variação dos motivos e pela apropriação de outras formas de ornamentação, como a borduna dos inimigos, a lima de ferro, as letras do alfabeto e até marcas da indústria do vestuário. Do mesmo modo, os episódios da criação e da transformação do mundo – que, como dizem os Wajãpi, é uma transformação em constante movimento – são profundamente marcados pela performance da oralidade. Aquilo que um narrador nos contará um dia, jamais será o que outro narrador nos dirá. Os ditos dos anciãos são, dessa forma, constantemente atualizados e interpretados nos diferentes contextos que continuam a alimentar os saberes sobre as complexas relações existentes entre todos os seres que compartilham os mundos terrestre, celeste e aquático, no universo ameríndio, ou até dos brancos.
A linguagem gráfica que os Wajãpi do Amapá denominam kusiwa sintetiza seu modo particular de conhecer, conceber e agir sobre o universo. Tal forma de expressão, complementar aos saberes transmitidos oralmente, afirma, ao mesmo tempo, o contexto de origem e a fonte de eficácia dos conhecimentos dos Wajãpi sobre o seu ambiente. Por outro lado, arte gráfica e arte verbal se completam por transmitirem os conhecimentos indispensáveis ao gerenciamento da vida em sociedade. Sociedade esta que não é exclusivamente Wajãpi, nem unicamente humana. As formas de expressão gráfica e oral permitem agir sobre múltiplas dimensões: sobre o mundo visível, sobre o invisível, sobre o concreto e sobre o mundo ideal. Não se trata de um saber abstrato e, sim, de uma prática, que é permanentemente interativa e, portanto, totalmente vivo. Fechar
No Banco de Dados dos Bens Culturais Registrados estão disponíveis os documentos contendo todas as informações sobre Arte Kusiwa – Pintura Corporal e Arte Gráfica Wajãpi (legislação, dossiê, fotografias, vídeos, músicas, pareceres técnicos e jurídicos dos processos desse bem cultural imaterial).