Dicionário do Patrimônio Cultural

Arquivo do Patrimônio

Verbete

Nayara Cavalini de Souza

O Arquivo do Patrimônio, também denominado Arquivo, Arquivo Noronha Santos e, atualmente, Arquivo Central do IPHAN/Seção Rio de Janeiro (ACI/RJ) – separado em duas seções, a do Rio de Janeiro (ACI/RJ) e a de Brasília (ACI/DF) –, foi criado ainda em 1936, portanto, antes da constituição legal do então Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN) em 1937. Foi inicialmente destinado à guarda das correspondências de Rodrigo Melo Franco de Andrade, futuro diretor do SPHAN (MARTINS, 2010, p. 32), e de textos de conteúdo jurídico, artístico e histórico, dentre outros, selecionados por ele por meio de uma articulação em rede de amizades com intelectuais envolvidos no projeto de seleção, atribuição e reconhecimento de bens aos quais eram atribuídos valor de patrimônio nacional.

Dentre as características presentes na constituição do primeiro arquivo do SPHAN e que podem ser observadas até hoje, destacam-se: sua inserção no centro da estrutura administrativa; a complementaridade da documentação entre os arquivos que iam sendo constituídos conforme a criação de novas representações regionais; a diversidade dos agentes produtores de documentação com formações distintas (como arquitetos, historiadores, fotógrafos envolvidos no processo de atribuição de valor cultural, também responsáveis direta ou indiretamente pela elaboração e/ou pelo teor de documentação oficial); a articulação em rede entre técnicos do Serviço do Patrimônio, fotógrafos contratados e intelectuais; e o extenso volume da documentação produzida.

Não obstante seu indiscutível papel central e responsabilidade pela preservação da documentação referente à aplicação do instrumento do tombamento e à inscrição dos bens nos Livros do Tombo, o Arquivo do Patrimônio não recebia a totalidade da documentação oficial. As articulações entre as divisões do Serviço do Patrimônio ocorriam em redes de contatos entre os técnicos de cada seção administrativa da sede e das unidades em todo o Brasil, e a documentação produzida ou solicitada seguia nessas redes em uma relação de complementaridade: o conhecimento produzido na sede e nos escritórios técnicos (relatórios, pareceres, plantas, inventários de campo, entre outros) circulava de modo a oferecer os subsídios necessários para a atuação dos técnicos no decorrer das atividades de fiscalização e preservação dos bens tombados ou em estudo.  Assim, as unidades mais antigas e originadas na criação dos primeiros distritos regionais, como Pernambuco, Bahia, Minas Gerais e São Paulo (do mais antigo para os mais recentes, dispostos nesta ordem) reúnem também, em seus arquivos próprios, acervos complementares ao do atual Arquivo Central/RJ.

Parte do acervo documental produzido pelo IPHAN – a documentação referente aos bens tombados, que compõe os processos de tombamento – pode ser classificada, simultaneamente, como corrente e permanente, classificação proposta de acordo com a Teoria das Três Idades, baseada no ciclo de vida dos documentos em arquivos, que os classifica como correntes, intermediários ou permanentes, “[...] de acordo com a frequência de uso por suas entidades produtoras e a identificação de seus valores primário e secundário” (ARQUIVO NACIONAL, 2005, p. 160). Portanto, trata-se de uma documentação que se destina à preservação, mas que pode, contudo, voltar a tramitar administrativamente, recebendo novos documentos que deverão se misturar a documentos históricos e adquirindo, por consequência, o mesmo peso histórico, permanente, jurídico e probatório.

Dentre as tipologias de documentos mais comuns no acervo se destacam as correspondências oficiais, como a notificação de tombamento e os atestados de recebimento (emitidas pelo Instituto); a correspondência de anuência ou impugnação (carta, nota, bilhete ou telegrama, trocados entre proprietário e a instituição); ofícios, relatórios de vistoria, estudos, cartas, solicitações, certidões, telegramas, plantas, recortes de jornal e revistas, publicações e fotografias, que começaram a ser mencionadas textualmente e encontradas com frequência a partir dos anos de 1940.

As fotografias compõem um acervo de aproximadamente 200.000 itens, entre fotografias, negativos em vidro, acetato e nitrato, e slides, que são um produto da contratação sistemática e do trabalho remunerado de fotógrafos profissionais ou técnicos da instituição em atividade; parte de uma proposta administrativa conduzida no período entre 1937 e 1960 (FONSECA; CERQUEIRA, 2013), que entendia a fotografia como determinante para a realização das atividades de preservação e salvaguarda realizada pelo SPHAN em sua fase inicial.

O Arquivo do Patrimônio se encontra organizado em séries – termo definido como uma “[...] subdivisão do quadro de arranjo que corresponde a uma sequência de documentos relativos a uma mesma função, atividade, tipo documental ou assunto” (ARQUIVO NACIONAL, 2005, p. 153) –, de acordo com relações propostas para esses documentos, tendo em vista sua origem, função, tipologia documental ou temas abordados. Contudo, considerando que sua organização se deu em um período anterior à consolidação da Arquivologia no Brasil, no caso do Arquivo do Patrimônio, o termo “série” assumiu outros sentidos, atribuídos não somente às divergências nas visões dos funcionários encarregados do Arquivo sobre quais seriam os métodos adequados de organização e arranjo da documentação coletada, mas também ao trabalho e às articulações em rede entre os agentes produtores, que ditavam o fluxo documental dentro da instituição. 

São reconhecidas duas propostas de arranjo para o acervo do Arquivo do Patrimônio: a proposta do monge beneditino alemão Dom Clemente da Silva Nigra, historiador da arte cedido ao SPHAN em meados de 1940, que consistia na separação tipológica entre documentos textuais e fotográficos na ocasião do arquivamento; e a proposta do funcionário do SPHAN, o escritor e poeta Carlos Drummond de Andrade. A proposta de Drummond, pautada na organização geográfica dos documentos – ou seja, em dossiês numerados e separados por estados da federação e municípios, dispostos em ordem alfabética –, foi a vencedora.

Atualmente, o Arquivo reconhece as seguintes séries documentais (sendo as quatro primeiras as mais consultadas): Inventário, Processos de tombamento, Obras, Personalidades, Técnico-Administrativa, Mapas e Plantas, Legislação, Restauração de Bens Móveis e Integrados, Assuntos Internacionais, Etnografia, Arqueologia, Livros do Tombo, Atas do Conselho Consultivo, Negativos, Planos e Projetos, Arquivo de Belas Artes, Manuscritos, Arquivo Francisco Marques dos Santos, Inventário de Bens Móveis e Integrados. 

A partir da década de 1980 foi iniciada no ACI/RJ uma série de projetos modernizantes. Nas prioridades identificadas e nos métodos utilizados, percebe-se a entrada de um pensamento de gestão e preservação documental, de novas leituras e necessidades que sinalizam uma abertura para conceitos de preservação documental, arranjo, gestão arquivística e ampliação do acesso à informação. Nessa mesma década, o Arquivo Central do IPHAN/Seção Brasília (também conhecido como Arquivo Aloisio Magalhães) começou a se constituir, reunindo a documentação proveniente das pesquisas sobre referências culturais empreendidas pelo Centro Nacional de Referência Cultural (CNRC), criado em 1975 e integrado, em 1979, à instituição, denominada, à época, SPHAN/Fundação Nacional Pró-Memória.

Dentre as propostas contemporâneas para a organização arquivística implementadas pelo IPHAN se destacam o Programa de Gestão Documental do Iphan, desenvolvido pela Gerência de Documentação Arquivística e Bibliográfica (Gedab) da Coordenação-Geral de Pesquisa, Documentação e Referência (Copedoc), cuja equipe foi responsável pela realização de diversos recenseamentos e diagnósticos arquivísticos em diferentes etapas, entre os anos de 2004 e 2006; e o Projeto Rede de Arquivos do Iphan: sistemas de informações, higienização e acondicionamento do patrimônio documental, uma proposta de digitalização, gestão informacional e ampliação do acesso à documentação, realizada e desenvolvida em parceria entre o IPHAN, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a Fundação Darcy Ribeiro (Fundar) e a Biblioteca Brasiliana da Universidade de São Paulo (USP).

O Arquivo Central do IPHAN/RJ, cujo acervo foi tombado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural do Rio de Janeiro (Inepac) em 2002, possui atualmente 900 metros lineares que, por sua vez, integram o patrimônio documental da instituição, composto por 12.000 metros lineares de acervos arquivísticos – distribuídos entre as 27 superintendências estaduais, os Arquivos Centrais (seções Rio de Janeiro e Brasília), 28 escritórios técnicos e quatro unidades especiais. Esses documentos, testemunhos da constituição do campo do patrimônio cultural brasileiro, encontram-se disponíveis para livre acesso e pesquisa.

Fontes consultadas
ARQUIVO NACIONAL (Brasil). Dicionário brasileiro de terminologia arquivística. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2005. (Publicações Técnicas, 51).
ARQUIVO NACIONAL (Brasil); CONSELHO NACIONAL DE ARQUIVOS. Classificação, temporalidade e destinação de documentos de arquivo, relativos às atividades-meio da administração pública. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2001. 
CHUVA, Márcia Regina Romeiro. Os arquitetos da memória: sociogênese das práticas de preservação do patrimônio cultural no Brasil (anos 1930-1940). Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2009. 
DUCHEIN, Michel. Respeito aos Fundos dos Arquivos. In: Arquivo & Administração. Publicação oficial da Associação dos Arquivistas Brasileiros, v. 10-14, n. 1, abr. 1982/ago. 1986.
FONSECA, Brenda Coelho; CERQUEIRA, Telma Soares. Mapeamento preliminar das atividades dos fotógrafos no IPHAN (1937-1987). In: GRIECO, Bettina Zellner (Org.). Entrevista com Erich Joachim Hess. Rio de Janeiro: IPHAN/ DAF/ Copedoc, 2013. (Memórias do Patrimônio, 3). 
FONSECA, Maria Cecília Londres. O patrimônio em processo: trajetória da política federal de preservação do Brasil. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ; MinC/ IPHAN, 2005. 
FONSECA, Maria Odila Kahl. Arquivologia e Ciência da Informação. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005. 
GONÇALVES, José Reginaldo Santos. A retórica da perda: os discursos do patrimônio cultural no Brasil. Rio de Janeiro: Editora UFRJ; MinC/ IPHAN, 2002.
IPHAN; COPEDOC. Programa de Gestão Documental no IPHAN. Rio de Janeiro: IPHAN/ Copedoc, 2008. (Cadernos de Pesquisa e Documentação do IPHAN, 5).
MARINHO, Teresinha (Org.). Rodrigo Melo Franco de Andrade: Rodrigo e seus tempos. Rio de Janeiro: MinC/ FNpM, 1986. 
MARTINS, Judith. Entrevista. In: THOMPSON, Analucia (Org.). Entrevista com Judith Martins. Rio de Janeiro: IPHAN/DAF/Copedoc, 2010, p. 27-54. (Memórias do Patrimônio, 1).

Documentos administrativos
IBPC; DID. Arquivo Central: histórico, acervo, recursos humanos. Rio de Janeiro, 16/10/1991. 
IPHAN; DAF; COPEDOC. Gerência de Documentação Arquivística e Bibliográfica. Síntese de Atividades – 1996 a 2008. Rio de Janeiro, jul. 2009.
IPHAN; MINC. Guia preliminar: Arquivo Central do IPHAN. Rio de Janeiro, 1996. 
SPHAN. Arquivo da Coordenadoria de Registro e Documentação/SPHAN. Diagnóstico: Fundação Pró-Memória/ Programa Nacional de Preservação da Documentação Histórica (Pró-Documento), 1987. 
SPHAN/ Fundação Pró-Memória. Proposta de preservação e organização dos arquivos da Coordenadoria de Registro e Documentação e das Diretorias Regionais da SPHAN/ FNPM. maio 1987. 

Como citar: SOUZA, Nayara Cavalini de. Arquivo do Patrimônio. In: REZENDE, Maria Beatriz; GRIECO, Bettina; TEIXEIRA, Luciano; THOMPSON, Analucia (Orgs.). Dicionário IPHAN de Patrimônio Cultural. 1. ed. Rio de Janeiro, Brasília: IPHAN/DAF/Copedoc, 2015. (verbete). ISBN 978-85-7334-279-6 

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Ficha Técnica

Nayara Cavalini de Souza Museóloga e mestre em Preservação do Patrimônio Cultural pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).