Dicionário do Patrimônio Cultural

Conferências Pan-Americanas

Verbete

Maria Tarcila Ferreira Guedes

As Conferências Pan-Americanas, também denominadas Conferências Internacionais Americanas, foram grandes fóruns de discussão de 1889 a 1948 entre vários países do norte ao sul do hemisfério, com a participação de representantes diplomáticos, funcionários de governos, cientistas, técnicos, especialistas de múltiplos campos de conhecimento, além de ministros e presidentes. Temas políticos, comerciais, econômicos, sociais, educacionais e culturais foram apresentados e discutidos, resultando em inúmeros acordos, resoluções e tratados que influenciaram a trajetória de cada país participante. Os temas gerais eram subdivididos em outros, como arbitragem, arquivos, bibliotecas, campos universitários, estradas de ferro e rodagem, direito civil, direito internacional, direitos humanos, direitos da mulher, direitos trabalhistas, escolas, finanças, higiene, indígenas, infância e juventude, imigração, jurídicos, limites e fronteiras, medicina e saúde, moeda única, monumentos, questões jurídicas e financeiras, padronização dos serviços aduaneiros, recenseamentos e outros que envolviam especificamente questões culturais e de preservação (GUEDES, 2012, p. 14-15). 

A proposta das Conferências Pan-Americanas fez parte de um projeto inaugural que na historiografia é identificado às ideias de Simon Bolívar, que pretendia formar, em 1826, uma confederação dos países latino-americanos – projeto que não foi avante. Mais tarde, em 1889, os Estados Unidos, envolvidos pelos princípios da Doutrina Monroe, propuseram a criação das Conferências Internacionais Americanas com a finalidade de obter supremacia no plano econômico e politico. Dessa forma, as várias definições sobre o pan-americanismo vão estar, de alguma forma, relacionadas à proposta de hegemonia do governo norte-americano frente às jovens repúblicas, ainda que haja diferenças nos diversos estudos acadêmicos sobre o tema. Até 1948, quando foi criada a Organização dos Estados Americanos (OEA), foram realizadas as seguintes Conferências Pan-Americanas: I Conferência Internacional Americana (1989) – Washington; II Conferência Internacional Americana (1901) – Cidade do México; III Conferência Internacional Americana (1906) – Rio de Janeiro; IV Conferência Internacional Americana – Buenos Aires (1910); V Conferência Internacional Americana (1923) – Santiago do Chile; VI Conferência Internacional Americana (1928) – Havana; VII Conferência Internacional Americana (1933) – Montevidéu; VIII Conferência Internacional Americana (1938) – Lima; a IX Conferência Internacional Americana – Bogotá (1948). Houve ainda inúmeras reuniões especializadas de ordem jurídica, econômica, financeira, jurídica, saúde, social e profissional.

Cada nação enviava diplomatas de carreira, políticos ou representantes selecionados de acordo com suas áreas de expertises para debaterem e decidirem sobre determinadas temáticas estabelecidas nas reuniões previamente organizadas pela União Pan-Americana, organismo administrativo situado em Washington. Desde o início, os temas culturais foram debatidos, ainda que com maior empenho a partir da V Conferência, em 1923. Questões em torno da arqueologia estiveram presentes desde a II Conferência Pan-Americana, em 1901, e deram origem à recomendação para a formação de uma “Comissão Arqueológica Internacional Americana”. Além disso, houve propostas, apresentadas durante a II, III e IV Conferências, relacionadas à organização de congressos geográficos, à elaboração de um dicionário de língua espanhola, à formulação de convenções para se discutirem “a proteção literária e artística”, indicativos no sentido de se criarem arquivos, bibliotecas e museus, além da necessidade do intercâmbio para a troca de conhecimento entre os países participantes (DULCI, 2008, p. 29). 

Na V Conferência Pan-Americana (Chile - 1923), quando os temas culturais passaram a ter uma posição mais equilibrada frente aos temas políticos e comerciais, destaca-se o projeto referendado pelo chefe da comitiva brasileira, Afrânio de Melo Franco, elaborado e apresentado pelo jurista Pontes de Miranda, que “determinava regras de procedimento para o cuidado da preservação e restauração dos monumentos e documentos e tudo que possa servir de base para o estudo da história americana”, aceito na comissão específica para o debate sobre o tema. Igualmente, membros da delegação brasileira participaram das discussões das comissões e votações das assembleias. Nesse sentido, ressaltam-se as seguintes propostas discutidas durante os fóruns da V Conferência: criação de “dois institutos arqueológicos no continente americano”; “estímulo à fundação de mais arquivos, bibliotecas e museus”; “incentivo ao estudo de línguas indígenas”; fomento ao “estudo uniforme para a proteção de documentos arqueológicos e outros necessários para a formação de uma história americana”; proibição da destruição e exportação de “construções e objetos móveis de interesse histórico”; “reconhecimento das características dos prédios e sua conservação”; “preparação de mapas antropogeográficos”; cooperação e intercâmbio entre os organismos dos estados signatários pertencentes à União Pan-Americana, além de outras recomendações (BRASIL, 1923, p. 30-37). 

Em relação à VI Conferência Pan-Americana (Cuba – 1928), a área da cultura foi marcada pela criação de dois institutos: o Instituto Pan-americano de Geografia e História (IPGH – México) e o Instituto Internacional de Cooperação Intelectual (Cuba). O primeiro atua até hoje como um dos organismos da OEA; quanto ao segundo, não houve prosseguimento de suas atividades após o primeiro congresso realizado em Havana em 1932. O IPGH manteve a sua área de influência nos campos da Geografia, História e Cartografia, tendo se destacado na área da preservação pela publicação, na década de 1950 da série Monumentos Históricos e Arqueológicos das Américas. O IPGH, cuja sede se localiza até hoje na capital do México, foi responsável por inúmeros congressos e assembleias com a participação direta de representantes dos países do continente, sendo que a primeira assembleia e o primeiro congresso foram realizados na cidade do Rio de Janeiro entre dezembro de 1932 e janeiro de 1933. Já o Instituto de Cooperação Intelectual, que nunca foi efetivamente criado em Cuba, teve sua formação relacionada ao debate de criação de “cidades universitárias”, de “criação de cadeiras especiais de história, geografia, literatura, sociologia, higiene e direito constitucional e comercial, de todos os estados signatários, e do intercâmbio de professores e estudantes, tanto universitários, secundários e primários, entre os diversos países americanos”, tendo se tornado, mais tarde, mais um dos departamentos da União Pan-Americana (BRASIL, 1928 apud GUEDES, 2012, p. 32).

A VII Conferência Pan-Americana (Uruguai – 1933) pode ser considerada uma das mais importantes pelo resultado expressivo em convenções, resoluções e tratados que foram assinados e ratificados pelas 21 repúblicas participantes. Outra característica foi a multiplicidade de temas debatidos, que abrangeram questões econômicas, sociais, culturais e educacionais. As questões de patrimônio cultural estavam dentro do item “Cooperação Intelectual”, tema citado por Afrânio Melo Franco de Andrade, chefe da comitiva brasileira, e também detalhado no informe da delegação peruana: “Cooperação internacional para tornar efetivo o respeito e a conservação da propriedade nacional sobre os monumentos históricos e restos arqueológicos” (CISNEIROS, 1933, p. 4). Em relação a esse tópico, assinala o diplomata peruano Luis Fernando Cisneiros que os seguintes documentos foram apresentados durante a VII Conferência: relatório da delegação do México, narrando a experiência do país no campo da preservação; projeto do México para a “proteção e conservação dos monumentos pré-coloniais e coloniais dos países do continente”; projeto da Guatemala no campo da arqueologia; projeto da brasileira Bertha Lutz para a preservação dos “monumentos naturais”, além da proposta do Museu Roerich (EUA) que visava à adoção internacional de uma bandeira branca com círculos vermelhos para demarcar os monumentos considerados como “tesouro cultural dos povos”, previamente listados por seus países de origem para que não fossem alvo de bombardeiros pelos países beligerantes (CISNEIROS, 1933, p. 4-6; PACTO DE ROERICH, 1935). A assinatura do Tratado de Roerich envolveu os 21 países da União Pan-Americana e foi aberta às outras nações do mundo, tendo sido um foco relevante durante as assembleias para a discussão da preservação dos “monumentos imóveis” durante a VII Conferência Pan-Americana. O pacto foi ratificado pelo Brasil em 1936.

A VIII Conferência Pan-Americana (Peru – 1938) foi marcada pela preocupação geral com a situação tensa vivida pelos países direta ou indiretamente envolvidos nos conflitos que antecederam ao período da II Guerra Mundial (1939-1945). As discussões entre os comitês técnicos e assembleias priorizaram itens que estavam relacionados à busca pela paz, ao desarmamento, à preocupação com o direito internacional e à garantia de direitos civis da população, ainda que poucos países latino-americanos tenham tido um envolvimento direto no confronto armado. Ao mesmo tempo, várias questões candentes estavam na ordem do dia, tais como: sufrágio feminino e direito trabalhista, outras relacionadas aos direitos indígenas, à cooperação sanitária, ao intercâmbio entre bibliotecas, à padronização de disciplinas escolares, à radiodifusão, além do “desarmamento moral, a cooperação intelectual, a preservação de regiões naturais e históricas e a propriedade industrial” (LOBO, 1939, p. 132). O Programa da VIII Conferência abrangeu os seguintes itens gerais, com a seguinte ordem de apresentação, de acordo com os relatórios dos diplomatas: “Organização da Paz, Direito Internacional, Problemas Econômicos, Direitos Políticos e Civis da Mulher, Cooperação Intelectual e Desarmamento Moral, União Pan-Americana e Resultados das Conferências Precedentes”, com a presença de representantes das 21 repúblicas (LOBO, 1939, p. 129). Por resolução do Conselho Diretor, o México ficou responsável pela apresentação do tópico 19: “Conservação e Preservação das Regiões Naturais e Lugares Históricos”. Em seu estudo, apresentado durante os trabalhos da Conferência de Lima, o México recomendou um estudo comparativo de todas as legislações em vigor nos países membros para apreciação geral da matéria na IX Conferência, e se possível, o seu desdobramento em novas recomendações e tratados (MEXICO, 1938, p. 40-41).

Durante a IX Conferência Pan-Americana (Colômbia – 1948), decidiu-se por uma mudança de rumos, quando foi assinado o Tratado Americano de Soluções Pacíficas (Pacto de Bogotá), além de outros que nunca foram ratificados ou colocados em prática como o Acordo Econômico de Bogotá. A designação de “Conferências Pan-Americanas” foi substituída para “Conferências Interamericanas”, e seus estatutos foram completamente reformulados, envolvendo, mais uma vez, 21 nações do continente americano. O nome União Pan-Americana foi substituído pelo de Organização dos Estados Americanos (OEA), sendo hoje conhecida como um dos organismos internacionais mais antigos do mundo.

Fontes consultadas
ATIQUE, Fernando. Arquitetando a “Boa Vizinhança”: a sociedade urbana do Brasil e a recepção do mundo norte-americano, 1876-1945. Tese (Doutorado em História e Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007. 
BRASIL. Relatório da V Conferência Internacional Americana. Rio de Janeiro: Arquivo Histórico do Itamaraty-RJ, 1923.
_______. Relatório da VI Conferência Internacional Americana. Rio de Janeiro: Arquivo Histórico do Itamaraty-RJ, 1928.
_______. Relatório da VII Conferência Internacional Americana. Rio de Janeiro: Arquivo Histórico do Itamaraty-RJ, 1933.
CISNEIROS, Luis Fernando. Cooperación Internacional para hacer práticos el respeto y la conservación de la propriedade nacional sobre los monumentos históricos y las piezas arqueológicas. In: BRASIL. Informe da delegação peruana sobre a VII Conferência Internacional Americana sobre o tema 24 Cooperação Intelectual. Rio de Janeiro: Arquivo Histórico do Itamaraty-RJ, 1933.
DULCI, Tereza Maria Spyer. As Conferências Pan-Americanas: identidades, união aduaneira e arbitragem (1889-1928). Dissertação (Mestrado em História Social) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.
GUEDES, Maria Tarcila Ferreira. A preservação do patrimônio cultural no contexto pan-americano In: ANDRADE, Rodrigo Melo Franco de. Brasil: Monumentos Históricos e Arqueológicos. Reedição comentada organizada por Maria Beatriz Setubal Rezende Silva. Rio de Janeiro: IPHAN/DAF/Copedoc, 2012.
LOBO, Helio. O pan-americanismo e o Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1939.
MEXICO. Relatório sobre o tópico 19 – Conservação e Preservação das Regiões Naturais e Lugares Históricos, 1938.
PACTO DE RÖERICH. Proteção de todas as instituições artísticas e científicas e monumentos históricos, 1935. In: Instituto Röerich da Paz e Cultura do Brasil. Disponível em: <www.roerich.org.br>. Acesso em: 28 fev. 2014.

Como citar: GUEDES, Maria Tarcila Ferreira. Conferências Pan-Americanas In: REZENDE, Maria Beatriz; GRIECO, Bettina; TEIXEIRA, Luciano; THOMPSON, Analucia (Orgs). Dicionário IPHAN de Patrimônio Cultural. 1. ed. Rio de Janeiro, Brasília: IPHAN/DAF/Copedoc, 2015. (verbete). ISBN 978-85-7334-279-6

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Ficha Técnica

Maria Tarcila Ferreira Guedes Historiadora da Coordenação de Pesquisa, Documentação e Referência do Departamento de Articulação e Fomento (Copedoc/DAF) do IPHAN. Graduada em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mestre em Sociologia pela UFRJ, doutora em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (USP).