Dicionário do Patrimônio Cultural

Inspetoria de Monumentos Nacionais (1934-1937)

Verbete

Aline Montenegro Magalhães

A Inspetoria de Monumentos Nacionais (IMN) foi criada pelo Decreto nº 24.735, de 14 de julho de 1934 – assinado pelo presidente Getúlio Vargas e seu ministro da Educação e Saúde Pública, Washington Pires –, que aprovou o novo regulamento do Museu Histórico Nacional (MHN). Caberiam ao novo departamento do Museu Histórico as funções de inspeção das edificações de valor histórico e artístico e o controle do comércio de objetos de arte e antiguidades, o que seria feito com base em algumas determinações, entre as quais a organização de um catálogo dos edifícios dotados de “valor e interesse artístico-histórico existentes no país” para propor ao governo federal aqueles que deveriam ser declarados Monumentos Nacionais, não podendo ser demolidos, reformados ou transformados sem a permissão e fiscalização do MHN. A IMN não tinha autonomia para determinar quais edificações deveriam ser consideradas monumentos nacionais. Estava previsto apenas um levantamento a título de sugestão ao governo federal para que este então atribuísse o título de monumento.

A IMN também ficaria encarregada de entrar em entendimento com os governos dos estados para uniformizar a legislação sobre a proteção e conservação dos Monumentos Nacionais, bem como a guarda e fiscalização dos objetos histórico-artísticos. Desta feita, cada estado se responsabilizaria pelos encargos dessa atividade em seus territórios, a exemplo do que já vinha sendo feito na Bahia com a Inspetoria Estadual dos Monumentos Nacionais, criada em 1927, e em Pernambuco com instituição congênere fundada em 1928, sendo que, a partir de então, seriam orquestradas e supervisionadas pelo órgão sediado no MHN.

O regulamento se deteve mais à fiscalização e ao controle do comércio de objetos históricos e artísticos, dedicando a maior parte de seus artigos para esse fim. Assim, a IMN deveria organizar “um catálogo, tanto quanto possível completo, dos objetos histórico-artísticos de notável valor existentes no país, no qual os particulares poderão requerer a inclusão dos de sua propriedade, o que será deferido após exame, identificação e notação”. A exportação desses objetos só era autorizada pelo diretor do MHN mediante o pagamento de uma taxa de Cr$ 300,00 sobre o valor dado pela avaliação que o próprio MHN fazia. Entretanto, caso fossem considerados de “notável importância histórica” ou cuja conservação no país fosse conveniente, sua exportação não era autorizada, cabendo apreensão das peças por infração desses dispositivos, passando elas a fazer parte do patrimônio nacional, no Museu Histórico Nacional.

O regulamento obrigava as pessoas e corporações que possuíssem objetos e relíquias artísticas ou histórias a fornecer a relação dos mesmos ao Museu Histórico Nacional, não sendo permitida a negociação dos mesmos sem prévia consulta ao MHN, que teria sempre preferência. Obrigava também os negociantes de antiguidade e obras de arte a um registro especial no MHN ou nas repartições estaduais que o representassem, não podendo vender objetos não devidamente autenticados. O próprio MHN autenticaria esses objetos mediante o pagamento de uma taxa estabelecida com base no valor atribuído à peça.

Embora o controle e a fiscalização do comércio de objetos históricos e artísticos tenham sido o principal mote do seu regulamento, foi justamente onde a Inspetoria se mostrou inoperante. No período de seu funcionamento, não houve aumento das coleções do MHN com apreensões por infração dos dispositivos do regulamento, nem mesmo pelo direito que a instituição tinha de preferência na compra de antiguidades a serem negociadas. Também não há notícias dos trabalhos de fiscalização, autenticação de objetos, tampouco de elaboração de catálogo ou relação de objetos de arte ou de história.

A Inspetoria foi atuante na área em que seu regulamento menos a amparava, que foi o trabalho de conservação e restauração dos monumentos imóveis. A primeira iniciativa tomada foi a organização de um catálogo iconográfico, em 1934, com obras encomendadas pelo diretor do Museu Histórico Nacional, Gustavo Barroso – à frente do MHN desde a sua criação, em 1922, afastando-se da direção por apenas dois anos, entre 1930 e 1932 por questões políticas, permanecendo na direção até 1959, quando veio a falecer. Eram quadros a óleo produzidos por José Wasth Rodrigues e Hans Nobauer e aquarelas de Alfredo Norfini, representando paisagens e monumentos das cidades históricas brasileiras, especialmente as de Minas Gerais.

Conforme previsto no regulamento, caberia ao diretor do MHN exercer as funções de inspetor dos monumentos e designar representantes para executar serviços onde fosse conveniente, “entabulando acordos com quaisquer pessoas naturais ou jurídicas, autoridades eclesiásticas, instituições científicas, literárias ou históricas, administrações estaduais ou municipais, no sentido de ser mais bem conhecido, estudado e protegido o patrimônio tradicional do Brasil”. Assim, Gustavo Barroso foi quem ficou à frente da Inspetoria durante todo seu tempo de funcionamento, designando Epaminondas de Macedo, engenheiro do Ministério da Viação, como seu representante na execução dos serviços de conservação e restauração em Ouro Preto-MG. Na ausência de Gustavo Barroso, era o conservador Angyone Costa quem, no MHN, o substituía na interface com o engenheiro Epaminondas em Ouro Preto. 

É possível considerar a Inspetoria o primeiro órgão nacional voltado para a preservação do patrimônio cultural brasileiro. Suas atividades foram encerradas em 1937, quando da criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), pela Lei nº 378, de 13 de janeiro de 1937, que a substituiu. A despeito de sua curta existência, segundo os relatórios de Epaminondas de Macedo, a Inspetoria fez intervenções em cerca de 20 edificações em Ouro Preto, entre pontes, igrejas e chafarizes. Já na listagem publicada por Adolpho Dumans no livro A ideia de criação do Museu Histórico Nacional, contam-se 33 monumentos contemplados pela ação da IMN, entre restauração total, parcial e realização de projeto para ação preservacionista. 

Fontes consultadas

CHUVA, Márcia. Os arquitetos da memória: sociogênese das práticas de preservação do patrimônio cultural (anos 1930-1940). Rio de Janeiro: UFRJ, 2009.
DUMANS, Adolpho. A ideia de criação do Museu Histórico Nacional. Anais do Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, v. 29, p. 13-23, 1997. 
MAGALHÃES, Aline Montenegro. Colecionando relíquias... um estudo sobre a Inspetoria de Monumentos nacionais (1934-1937). 2004. 152 f. Dissertação (Mestrado em História Social) – PPGHIS, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, UFRJ, Rio de Janeiro, 2004.
______. De objetos de notável valor a monumentos históricos: a letra e a ação preservacionista da Inspetoria de Monumentos Nacionais (1934-1937). In: MAGALHÃES, Aline Montenegro; BEZERRA, Rafael Zamorano (Orgs.). 90 anos do Museu Histórico Nacional em debate (1922-2012). Rio de Janeiro: MHN, 2014. p. 157-172.
MUSEU HISTÓRICO NACIONAL. Documentário da ação do Museu Histórico Nacional na defesa do patrimônio tradicional do Brasil. Anais do Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, v. 5, (1944) 1955. 

Como citar: MAGALHÃES, Aline Montenegro. Inspetoria de Monumentos Nacionais (1934-1937). In: REZENDE, Maria Beatriz; GRIECO, Bettina; TEIXEIRA, Luciano; THOMPSON, Analucia (Orgs.). Dicionário IPHAN de Patrimônio Cultural. 1. ed. Rio de Janeiro, Brasília: IPHAN/DAF/Copedoc, 2015. (verbete). ISBN 978-85-7334-279-6

 

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Ficha Técnica

Aline Montenegro Magalhães Bacharel e licenciada (2000) em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mestre (2004) e doutora (2009) em História Social pelo Programa de Pós-Graduação em História Social da UFRJ. Atualmente é pesquisadora no Museu Histórico Nacional/IBRAM/Minc, onde é responsável pela Divisão de pesquisa, e no Programa de pós-graduação em Arquitetura (PROARQ/UFRJ) e, também, professora da Universidade Estácio de Sá. É autora, entre outros trabalhos, do livro Culto da saudade na Casa do Brasil. Gustavo Barroso e o Museu Histórico Nacional, publicado pelo Museu do Ceará, em 2006.