Dicionário do Patrimônio Cultural

Acervo arqueológico

Verbete

Alejandra Saladino e Mario Junior Alves Polo

Um acervo arqueológico corresponde a um conjunto de bens de interesse para a Arqueologia, que tenha resultado de pesquisas arqueológicas ou com potencial para o desenvolvimento de pesquisas do tipo. Sua existência decorre das obrigações legais e éticas de arqueólogas e arqueólogos em preservar os dados coletados e produzidos em suas pesquisas para as futuras gerações e com vistas à fruição do público em geral, quando for o caso.

Os acervos arqueológicos incluem não apenas os materiais reunidos durante as pesquisas arqueológicas, mas também o registro das atividades e de toda a informação associada, como mapas e croquis, fotografias, cadernos de campo, amostras de solo e documentação afim. Tais acervos também podem abrigar ou ser formados por bens obtidos em razão de doações, repatriação, achados fortuitos e outras formas legalmente previstas de aquisição, com o objetivo de assegurar que não sejam descartados – encontrem-se isolados ou em conjunto, com ou sem dados contextuais e associados. É preciso considerar, sempre, que determinados dados e bens podem oferecer um grande potencial de análise para pesquisas futuras, haja vista o constante surgimento de novas tecnologias e de novas abordagens que passam progressivamente a atuar em favor da produção do conhecimento arqueológico. É nesse sentido que acervos vastamente estudados ou, por outro lado, considerados inócuos em um dado momento, podem vir a se tornar objeto de pesquisas futuras.

Os materiais que integram os acervos são da mais variada ordem, podendo incluir cerâmica, louça, material lítico, metais, vidros, entre muitos outros – se consideradas as coleções do período histórico. Incluem, também, materiais orgânicos, a exemplo dos materiais ósseos – humanos ou faunísticos – e dos vestígios vegetais. A diversidade desses bens exige que haja grande atenção as suas particularidades em se tratando de sua conservação.

Ao passo que coleções arqueológicas são distinguidas, em geral, por uma procedência em comum, os acervos arqueológicos são geralmente associados ao conjunto de bens sob guarda de uma mesma instituição ou reunidos em um mesmo local físico – podendo incluir dados oriundos de diferentes projetos de pesquisa e diferentes sítios ou regiões. Deste modo, um acervo pode abrigar distintas coleções.

A composição de um acervo desse tipo deve envolver uma série de procedimentos direcionados a sua preservação e gestão, como higienização, catalogação, classificação e acondicionamento adequado dos bens. Tais procedimentos podem se dar em laboratórios destinados a esse fim, assim como esses acervos podem ser dispostos em reservas arqueológicas, instituições de guarda ou museus que garantam sua salvaguarda e extroversão. Nem todo acervo ou nem todos os seus elementos constituintes, contudo, são passíveis de ser musealizados.

Os acervos arqueológicos remontam às coleções de antiguidades e curiosidades formadas, sobretudo, a partir do afã antiquarista do período Moderno – muito antes da conformação da Arqueologia enquanto disciplina científica. No Brasil, os primeiros acervos arqueológicos foram constituídos a partir da atuação de museus que, desde muito cedo, se ocuparam em reunir materiais desse tipo, sobretudo daqueles com maior apelo estético. Os esforços de profissionais associados a essas instituições, mas também de arqueólogos profissionais ou amadores e interessados em geral, foram responsáveis até meados dos anos 1960 pela geração de grande parte das coleções que compuseram o acervo de museus de grande vulto, como o Museu Nacional no Rio de Janeiro e o Museu Paraense Emílio Goeldi em Belém.

A chamada Lei de Arqueologia – a Lei Federal nº 3.924, de 26 de julho de 1961 – foi paulatinamente mobilizada de modo a inibir a atuação informal na área e a regular as pesquisas arqueológicas desenvolvidas no país, assim como instituiu que todo bem arqueológico pertence à União – tornando ilegal, assim, a posse ou comercialização de bens arqueológicos por particulares. Os acervos arqueológicos localizados no Brasil, com isso, não podem ficar a cargo de pessoas físicas ou conter um caráter privado.

As mudanças na legislação ambiental e patrimonial ocorridas a partir dos anos 1980 configuraram um campo de atuação, na Arqueologia Brasileira, bastante direcionado aos trabalhos de contrato – isto é, desenvolvidos em atendimento ao Licenciamento Ambiental de empreendimentos públicos e privados. O aumento na quantidade de acervos gerados no âmbito desses trabalhos foi exponencial, e uma série de instituições de guarda foi criada desde então, de modo a abrigá-los e a fornecer endosso institucional às pesquisas desse tipo. Tais instituições são avaliadas pelo IPHAN, para que sejam garantidas as condições mínimas de preservação dos acervos.

Nessa direção e diante de tal panorama complexo, um conjunto de dispositivos normativos dedicado à gestão dos acervos arqueológicos foi elaborado pelo IPHAN, nomeadamente a Portaria nº 195/16, que dispõe sobre os procedimentos para solicitação de movimentação de bens arqueológicos em território nacional; a Portaria nº 196/16, que dispõe sobre a conservação de bens arqueológicos móveis, cria o Cadastro Nacional de Instituições de Guarda e Pesquisa, o Termo de Recebimento de Coleções Arqueológicas e a Ficha de Cadastro de Bem Arqueológico Móvel; e a Portaria nº 197/16, que dispõe sobre os procedimentos para solicitação de remessa de material arqueológico para análise no exterior.

Além disso, dados quantitativos acerca da distribuição em território nacional das instituições responsáveis por acervos arqueológicos têm sido levantados pelo Centro Nacional de Arqueologia, IPHAN.

Atualmente, oito coleções arqueológicas encontram-se tombadas em nível federal, sendo a maior parte delas tombadas em seu conjunto, enquanto acervo, mesmo que hoje correspondam a coleções integrantes de acervos ampliados. São elas: a Coleção arqueológica do Museu da Escola Normal Justiniano de Serra, localizada em Fortaleza, no Ceará (inscrita em 1941 no Livro de Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico); a Coleção Arqueológica e Etnográfica do Museu Paraense Emílio Goeldi, em Belém, no Pará (inscrita em 1940 no Livro de Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico); a Coleção Etnográfica, Arqueológica, Histórica e Artística do Museu Coronel David Carneiro e a Coleção Etnográfica, Arqueológica, Histórica e Artística do Museu Paranaense, localizadas em Curitiba, no Paraná (ambas inscritas em 1941 nos livros do Tombo Histórico, de Belas Artes e Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico); a Coleção Arqueológica Balbino de Freitas, no município do Rio de Janeiro (inscrita em 1948 no Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico); a Coleção Arqueológica João Alfredo Rohr, em Florianópolis, Santa Catarina (inscrita em 1986 no Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico); a Coleção Arqueológica, Etnográfica, Histórica e Artística do Museu Júlio de Castilhos, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul (inscrita em 1938 no Livro do Tombo de Belas Artes); e as Coleções Arqueológicas, Etnográficas, Artísticas e Históricas do Museu Paulista da Universidade de São Paulo, no município de São Paulo (inscrita em 1938 no Livro do Tombo de Belas Artes).

Fontes Consultadas:
BRUNO, Maria Cristina Oliveira. Estudos de cultura material e coleções museológicas: avanços, retrocessos e desafios. In: GRANATO, Marcus; RANGEL, Marcio. Cultura material e patrimônio da ciência e tecnologia. Rio de Janeiro: Museu de Astronomia e Ciências Afins, 2009.
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PEREIRA, Daiane. Reserva Técnica Viva: extroversão do patrimônio arqueológico no Laboratório de Arqueologia Peter Hilbert. 2015. Dissertação (Mestrado em Arqueologia). Universidade Federal do Sergipe. Laranjeiras, 2015.
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SOARES, Inês Virgínia Prado. Proteção jurídica do patrimônio arqueológico no Brasil: fundamentos para efetividade da tutela em face de obras e atividades impactantes. Erechim: Habilis, 2007.
WICHERS, Camila Azevedo de Moraes. Museus e antropofagia do patrimônio arqueológico: (des)caminhos da prática brasileira. 2010. Tese (Doutorado em Museologia). Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias. Lisboa, 2010.

Como citar: SALADINO, Alejandra; POLO, Mario. Acervo Arqueológico. In: GRIECO, Bettina; TEIXEIRA, Luciano; THOMPSON, Analucia (Orgs.). Dicionário IPHAN de Patrimônio Cultural. 2. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro, Brasília: IPHAN/DAF/Copedoc, 2016. (verbete). ISBN 978-85-7334-299-4.

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Ficha Técnica

Alejandra Saladino Mestre em Arqueologia (PPGARQ/MN/UFRJ), mestre em Memória Social (PPGMS/UNIRIO), doutora em Ciências Sociais (PPCIS/UERJ), professora adjunta da Escola de Museologia (UNIRIO), do Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio (PPG-PMUS) e do Mestrado Profissional em Preservação do patrimônio Cultural (IPHAN).

Mario Junior Alves Polo Mestre em Preservação do Patrimônio Cultural (IPHAN) e doutorando em Arqueologia (PPGARQ/MN/UFRJ).