Dicionário do Patrimônio Cultural

Propriedade Intelectual

Verbete

Carla A. Belas

A expressão Propriedade Intelectual está relacionada ao reconhecimento de direitos sobre criações intelectuais nas mais diversas áreas do conhecimento – artes, literatura, ciência e tecnologia. Tal reconhecimento, conferido pelo Estado, por meio de concessão pública, permite aos inventores/autores auferir com exclusividade benefícios morais e, sobretudo, monetários pelo uso social de suas criações durante um determinado período de tempo. É importante ressaltar que, para além da proteção de artefatos em si, os direitos de propriedade intelectual (DPIs) dizem respeito especialmente à proteção do conhecimento/informação que está por traz da produção de novos artefatos e/ou obras artísticas. Em decorrência da natureza intangível da informação, uma vez divulgada, seria impossível restringir ou controlar o seu acesso e uso por terceiros, salvo a existência de um artifício legal capaz de impedir a sua livre apropriação. Esse artifício são os chamados direitos de propriedade intelectual cuja concessão por parte do Estado teve como justificativa a promessa de recompensa posterior à sociedade, ao que denominamos de função social da propriedade intelectual. Esperava-se que a garantia de vantagem comercial para os autores/inventores estimulasse a permanente divulgação de novas obras/invenções que, por sua vez, serviriam de base a novas criações. Além disso, a proteção contra falsificações e cópias tinha por objetivo oferecer um ambiente propício para inventores e empreendedores ampliarem os investimentos nos seus negócios, sem o risco de enfrentarem concorrência desleal. Dessa forma, em seu contexto inicial, podemos dizer que o reconhecimento dos DPIs, mais do que garantir direitos individuais, visava, sobretudo, ao desenvolvimento científico, tecnológico e econômico dos países, tendo por fim o benefício das sociedades em geral (GRAU-KUNTZ, 2015).

Histórico da proteção dos direitos de propriedade intelectual 
As primeiras regulamentações referentes aos direitos de inventores têm origem no aumento das atividades produtivas e na intensificação das transações comerciais entre os séculos XV e XVI. Dentre essas regulamentações iniciais, uma das mais famosas é a concessão aos fabricantes de vidro da Ilha Murano na Itália, realizada pelo Estado de Veneza em 1474. A partir de 1600 a concessão de direitos de exclusividade aos inventores e autores foi sendo consolidada especialmente como decorrência do processo de desenvolvimento industrial. A Inglaterra foi responsável tanto pela primeira lei de patentes, o Estatuto dos Monopólios em 1623, quanto pela primeira norma legal referente ao que denominamos hoje de copyright ou direito de autor, o Estatuto da Rainha Ana em 1710.

O Brasil incluiu-se entre os primeiros países a proteger os direitos de inventores, mais precisamente o quarto, após Inglaterra (1623), Estados Unidos (1790) e França (1791). Ainda no período colonial, o Alvará de 28 de abril de 1809 foi promulgado por Dom João VI; posteriormente, a Lei de 28 de agosto de 1830, por D. Pedro I, e, finalmente, a Lei 3.129, de 14 de outubro de 1882, por D. Pedro II. A análise dessas primeiras legislações evidencia a atualidade de algumas normativas, em especial a definição de prazos de vigência e condições para a concessão de exclusividade de invenção e, inclusive, o reconhecimento de direitos de inventores de outras nações, que passaram a gozar dos mesmos privilégios concedidos aos inventores nacionais (MEDEIROS, s/d, p. 13-16).

A inclusão da concessão de privilégios a inventores estrangeiros na legislação brasileira encontrava-se em consonância com o início das discussões sobre a criação de uma legislação internacional que servisse de parâmetro à regulamentação interna dos países. Após um período prévio de negociações, 11 países, dentre os quais o Brasil, elaboraram e assinaram a Convenção da União de Paris (CUP) em 1883 (BODENHAUSEN, 1969, p. 9). Tratava-se do primeiro acordo internacional visando à proteção de patentes de invenções e, ainda, de marcas, desenhos e modelos industriais. Com esse acordo pretendia-se a harmonização de diferentes legislações nacionais, tendo como base os seguintes princípios: 1) tratamento nacional – as mesmas vantagens, proteção e direitos concedidos a nacionais deveriam ser concedidos também a estrangeiros; 2) Territorialidade – a concessão da patente ou desenho industrial tem validade apenas nos limites territoriais do país que a concede. Ou seja, não se estende automaticamente a todos os países signatários, o inventor precisa solicitar o registro e se submeter às normas e aos tramites burocráticos de cada um dos países que deseje proteção; 3) Independência dos direitos – os países têm a liberdade de adotar arcabouço legal que favoreça o seu desenvolvimento científico e tecnológico, definindo normas próprias no que diz respeito a prazos de vigência, causas de nulidade e de caducidade da proteção, matérias patenteáveis e outros; 4) Prioridade unionista – o depósito de patente ou desenho industrial em alguns dos países membros garante ao inventor o prazo de até 12 meses para efetuar a solicitação de proteção nos demais países de seu interesse. Atualmente a CUP possui 174 (cento e setenta e quatro) países signatários, os quais se comprometem a cumprir e atualizar as normas dessa Convenção por meio de reuniões periódicas de revisão, a última ocorrida em Estocolmo em 1967.

A Convenção da União de Berna (CUB), assinada em 1886, três anos após a Convenção da União de Paris, garantiu a proteção de obras literárias e artísticas. Da mesma forma que a CUP, a Convenção de Berna tem como princípios o tratamento igual entre nacionais e estrangeiros e a independência de legislações entre os países. Por outro lado, diferentemente da CUP, onde o registro constitui elemento obrigatório para a concessão de privilégios, a CUB pauta-se na ausência de formalidade para a obtenção de proteção. Ou seja, a simples divulgação pública já garante o reconhecimento da autoria, independentemente do registro. O registro, dessa forma, é visto apenas como uma segurança legal, constituindo prova, nos casos de disputas de autoria. Por fim, é importante destacar que a proteção é dividida em duas classes de direitos: patrimoniais e morais. Os direitos patrimoniais estão relacionados ao valor econômico de uma obra e as transações comerciais que esta enseja. O autor pode transferir, doar ou vender seus direitos patrimoniais para terceiros, a exemplo do que ocorre com editoras de livros, gravadoras de música ou difusoras de filmes e outras produções audiovisuais, que lucram com a reprodução e licenciamento de obras que foram adquiridas por meio de negociações com os autores. Independente de transferir ou não o direito patrimonial de suas obras para terceiros, os autores mantêm o direito moral em relação a elas. O direito moral garante ao autor a vinculação do seu nome à obra a qualquer tempo, mesmo após a sua morte, e, ainda, a possibilidade de impedir adaptações que julgar deformar a sua obra original causando prejuízos a sua imagem e reputação literária e/ou artística. A Convenção de Berna conta atualmente com 169 (cento e sessenta e nove) países signatários, os quais mantêm reuniões periódicas para atualização das normas da Convenção, sendo a última revisão ocorrida em Paris em 1971. As Convenções de Paris e Berna durante muito tempo foram responsáveis pelo funcionamento de dois sistemas de proteção de direitos intelectuais, respectivamente, propriedade industrial e direitos autorais. A unificação dos dois sistemas no que designamos hoje de propriedade intelectual ocorreu em 1967 com a criação da Organização Mundial de Propriedade Intelectual – OMPI/WIPO, com cede em Genebra (BASSO, 2004, p. 287-8).

A OMC e a nova configuração dos direitos de propriedade intelectual
A partir da década de 1970 os direitos de propriedade intelectual assumem uma importância estratégica no âmbito das relações comerciais internacionais. Nesse período, conforme aponta Chaves (2007, p. 259), o Japão e outros países asiáticos tornam seus produtos manufaturados mais competitivos no cenário global, basicamente imitando e/ou adaptando tecnologias produzidas em países mais desenvolvidos. A ausência de sanções no que diz respeito ao não reconhecimento de patentes em determinados setores da economia permitiu aos países de industrialização recente a realização de um massivo investimento em ciência e tecnologia, para o qual não teriam recursos disponíveis caso fossem obrigados a pagar royalties pelo uso de produtos patenteados em suas pesquisas. A fim de enfrentar tal concorrência os países desenvolvidos, em especial os EUA, cuja liderança comercial vinha sendo ameaçada pelo Japão, passaram a reivindicar a inclusão dos direitos de propriedade intelectual no âmbito do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT), hoje integrado à Organização Mundial do Comércio (OMC). A inclusão dos DPI na OMC tinha como principal função fortalecer os organismos de sanção para Estados inadimplentes com os Acordos assinados. Pois, conforme argumenta Basso (2004), a OMPI tem uma função sobretudo técnica, implementação de estudos e promoção dos DPIs, não possui mecanismos de fiscalização para verificar o cumprimento das normas por parte dos países signatários aos acordos e nem estrutura para resolução de controvérsias.

Os DPIs passaram a integrar a OMC em 1994 quando foi assinado o Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (ADPIC/TRIPs) na última reunião do GATT. O TRIPs estabeleceu padrões mínimos de proteção no que diz respeito a oito matérias específicas: 1. Direito do Autor e Direitos Conexos; 2. Marcas; 3. Indicações Geográficas; 4. Desenhos Industriais; 5. Patentes; 6. Topografias de Circuitos Integrados; 7. Proteção de Informação Confidencial; e 8. Controle de Práticas de Concorrência Desleal em Contratos de Licenças. É importante destacar que, no caso dos direitos de autor, a proteção do TRIPs diz respeito sobretudo aos chamados direitos patrimoniais, mantendo-se a referência da Convenção de Berna em relação aos direitos morais. Embora não invalide ou entre em contradição com as normas presentes na CUP e na CUB, o Acordo TRIPS, conforme aponta Chaves (2007, p. 259), possui ao menos duas diferenças significativas em relação a essas duas convenções anteriores: 1) estabelece regras mais rígidas de proteção; 2) limita a liberdade dos países na formulação de seus próprios arcabouços legais, tendo em vista que devem se submeter aos padrões mínimos de proteção sob risco de sofrerem sanções nas suas relações comerciais. Caso tenham interesse, os países signatários podem manter legislações mais restritivas, no que diz respeito a formas de concessão, limites de uso e tempo de validade dos direitos, mas nunca inferiores ao padrão mínimo estabelecido. A assinatura do TRIPs foi muito controversa pela visível desigualdade nas condições de negociação entre países. Os desenvolvidos, com maior poder econômico e especialistas nas matérias tratadas no Acordo, conseguiram fazer valer seus interesses sobre os países em desenvolvimento. Visando minimizar as desigualdades, foi aprovado um período de transição maior (de 5 a 11 anos) para esses últimos adaptarem as suas legislações nacionais às normas do TRIPs. Além disso, para evitar distorções, foram previstas algumas exceções aos direitos adquiridos e usos sem autorização do titular das patentes (art. 30 e 31) para casos, por exemplo, de emergência nacional e interesse público. Baseado nesses artigos, o governo brasileiro tem justificado o uso da medida compulsória, popularmente conhecida como “quebra de patentes”, para reduzir o preço de medicamentos que integram o programa de saúde pública de tratamento de doentes com Síndrome de Imunodeficiência Adquirida (SIDA/AIDS). Não obstante a adoção de medidas para evitar distorções no sistema, de um modo geral, a inclusão dos DPIs na OMC representou uma profunda mudança na concepção dos direitos de propriedade intelectual, sendo a sua função social, cada dia mais, relegada em favor das estratégias de lucro das empresas (BARBOSA, 2003).

A incorporação do TRIPs no ordenamento jurídico brasileiro ocorreu principalmente por meio das seguintes legislações: a Lei nº 9.279, de 14.05.1996 (LPI), sobre propriedade industrial, a qual abrange a proteção a patentes de invenção, modelo de utilidade, marcas, indicações geográficas, desenho industrial e concorrência desleal; a Lei nº 9.456, de 25.04.1997, sobre proteção de cultivares, que garante a proteção a criadores de novas variedades de plantas; a Lei nº 9.610, de 19.02.1998, sobre a proteção de direitos autorais, que abrange a proteção de trabalhos/obras nas áreas da literatura, teatro, música, coreografias, filmes, fotografias, pinturas, desenhos e esculturas; e, por fim, a Lei 9.609, de 19.02.1998, voltada à proteção da criação de programas de computador. O órgão responsável pela concessão de registros relacionados à LPI é o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), que possui setores específicos para efetivação de registros em cada uma das matérias protegidas pela LPI. O INPI também é responsável pela concessão de direitos relativos à proteção de programas de computador, nesse caso, contudo, não há exame do pedido, o órgão exerce apenas o papel de depositário dos dados técnicos de identificação do programa, mantendo a guarda da documentação para uso como prova judicial em caso de litígios quanto à autoria da obra e titularidade do direito. O registro de cultivares ocorre por meio do Serviço Nacional de Proteção de Cultivares (SNPC), sob a responsabilidade do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Em relação aos direitos autorais a proteção é pulverizada em vários órgãos, a depender da natureza da obra a ser protegida, a saber: Biblioteca Nacional, Escola de Belas Artes e Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Agência Nacional do Cinema (ANCINE) e o Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (CONFEA). Em consonância com a Convenção de Berna, a LDA faculta ao autor o registro da sua obra nos órgãos acima mencionados, havendo a proteção automática mediante a comprovação de publicização (LDA, art. 18 e 19).

Proteção aos conhecimentos e expressões culturais tradicionais 
A despeito da relevância alcançada pelo Acordo TRIPs e, por conseguinte, pela OMC no que diz respeito às negociações dos DPIs em âmbito global, a OMPI mantém o papel de principal instituição de promoção da propriedade intelectual no âmbito internacional, implementando estudos e reuniões que visam à harmonização do interesse entre os países em relação a essa temática. Nesse sentido, em 2000 criou o Comitê Intergovernamental em Propriedade Intelectual e Recursos Genéticos, Conhecimentos Tradicionais e Folclore (IGC), com a finalidade de discutir a proteção de conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade (CTA) e de expressões culturais tradicionais (ECT). Desde 2004 os países em desenvolvimento, detentores da maior parte da sociobiodiversidade do planeta, reivindicam a inclusão dessas temáticas ao Acordo TRIPs, sobretudo como medida defensiva no sentido de evitar o registro de patentes de medicamentos e/ou cosméticos produzidos a partir da apropriação de CTAs. Para além de uma proteção defensiva, o IGC tem conduzido as negociações entre os países em torno da criação de legislações específicas de proteção (WIPO, 2014a, 2014b). Espera-se que tais legislações ampliem o marco legal global referente à proteção dos conhecimentos e expressões culturais tradicionais, incentivando a adoção de medidas protetivas no âmbito dos países e, principalmente, a incorporação de novas normas ao TRIPs. Dessa forma, o descumprimento de disposições referentes à proteção de CTA e ECT estaria sujeito às mesmas sanções aplicadas a infrações dos países relacionadas às demais matérias integrantes do TRIPS.

Criar legislações específicas é uma forma de contornar as dificuldades do atual sistema de propriedade intelectual no que diz respeito à proteção de saberes tradicionais. A natureza ancestral, coletiva e, em muitos casos, difusa desses saberes, é incompatível com os requisitos de novidade, originalidade, titularidade e os limites temporais de prescrição previstos na maioria dos instrumentos que integram os DPIs. Além disso, o próprio conceito de propriedade intelectual, que tem como base a exclusividade e a privatização do conhecimento, é contraditório com o livre compartilhamento de saberes praticado pela maioria dos Povos e Comunidades Tradicionais (BELAS, 2012).

No Brasil, na ausência de legislação específica que regule os direitos de propriedade intelectual relacionados a ECTs, os detentores de modos de fazer artesanais, danças, músicas e outras expressões tradicionais têm se valido do arcabouço legal no âmbito da cultura e do meio ambiente (OIT, 1989; UNESCO, 2003, 2005; BRASIL, 2000, 2007; CBD, 2010) a fim de garantir uma proteção parcial, indireta e defensiva contra a apropriações indevidas de seus saberes e produções. O IPHAN, por meio do Programa Nacional do Patrimônio Imaterial (PNPI), tem obtido sucesso em evitar esse tipo de apropriação nos casos de bens registrados como Patrimônio Cultural do Brasil. As negociações são feitas caso a caso, tendo como base as atribuições da Instituição de garantir a salvaguarda dos bens registrados (QUEIROZ, 2014). Um exemplo de intervenção bem-sucedida refere-se à suspensão da comercialização de papel de parede, produzido por um escritório brasileiro de design e decoração, cuja estampa configurava cópia dos grafismos dos povos indígenas Wajãpi, do Amapá (GALLOIS, 2012). Além de recorrer à política de salvaguarda do patrimônio cultural, detentores interessados na comercialização de seus bens culturais, sobretudo no caso de artesanatos, têm se valido de alguns poucos mecanismos do atual sistema de Propriedade Intelectual, especialmente marcas e indicações geográficas, que permitem proteção a produções coletivas e são mais flexíveis em relação aos prazos de validade. No caso das indicações geográficas (IGs), por exemplo, tem crescido o número de registros relacionados a produtos previamente titulados como Patrimônio Cultural do Brasil, dentre os quais: Queijos Artesanais do Serro e da Canastra - MG; Doces de Pelotas - RS; Panelas de Barro de Goiabeiras – ES; Renda de Divina Pastora – SE; Renda do Cariri Paraibano – PB; e Cajuína – PI. O registro de indicação geográfica e o de patrimônio imaterial possuem distintos enfoques: o primeiro fornece garantias nas transações comerciais e o segundo garantias para a manutenção da integridade e da continuidade do bem cultural para as próximas gerações. Nesse sentido, a política de salvaguarda do patrimônio imaterial permitiria contornar o caráter fragmentado e setorizado característico da proteção oferecida pelo sistema de propriedade intelectual, incapaz de alcançar o bem cultural na sua integridade ou as múltiplas dimensões incorporadas a ele nos contextos de produção. Embora o uso conjunto desses instrumentos legais tenha potencial para ampliar os direitos dos detentores de bens culturais, a obtenção desses benefícios não é automática às concessões dos registros, depende da integração entre as instituições responsáveis pela salvaguarda cultural e as responsáveis pelos direitos de propriedade intelectual, no sentido de realizar ações complementares, ao invés de concorrentes (BELAS, 2013). 

No que diz respeito aos CTAs, o reconhecimento de direitos intelectuais é atualmente regulado no Brasil pela Lei 13.123, de 20.05.2015. Denominada Lei da Biodiversidade, esta lei revogou a Medida Provisória nº 2.186-16, de 23.08.2001, que legislava sobre o acesso aos recursos genéticos e aos conhecimentos tradicionais associados. Muitos especialistas consideram que este novo marco legal, ao invés de avanço, representa um retrocesso no que diz respeito à proteção dos CTAs, submetendo estes à validação técnico-científica e às demandas de mercado. Tende a beneficiar, assim, mais os usuários de conhecimentos tradicionais – empresários e cientistas – do que seus detentores – povos indígenas, comunidades e agricultores tradicionais (MOREIRA et al., 2007). Nesse sentido, pode representar também uma ameaça ao patrimônio cultural dos detentores, pois impacta diretamente a produção e reprodução de seus bens culturais.

Para Manuela Carneiro da Cunha (2009) a própria natureza dos conhecimentos tradicionais dificulta obter um consenso na elaboração de qualquer marco legal, pois diferentemente do conhecimento científico, tido como universal, hegemônico, conceitual e fragmentado em especialidades, os conhecimentos tradicionais são sobretudo locais, baseados na diversidade, em experiências sensoriais e na integralidade. Dessa forma, não existiria um sistema a ser protegido, mas uma infinidade de sistemas particulares. Por exemplo, para alguns povos indígenas, determinados artefatos não podem ser objeto de negociações comerciais por possuírem uma função sagrada, para outros, artefatos similares poderiam ser comercializados sem qualquer problema. Também no que diz respeito à titularidade, um saber ou expressão artística nem sempre tem origem na coletividade, pode ser individual, difusa ou pertencer a um não-humano (plantas e/ou animais) como no caso dos grafismos dos Wajãpi relatado por Gallois (2012). Não obstante essas profundas diferenças, o que todos concordam é que deve haver um freio nos usos desautorizados; o difícil será desenvolver um instrumento legal que seja capaz de estabelecer tais limites frente à diversidade de regimes de produção de conhecimentos e aos distintos, por vezes divergentes, interesses envolvidos.

Fontes consultadas:
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Como citar: BELAS, Carla A. Propriedade intelectual. In: GRIECO, Bettina; TEIXEIRA, Luciano; THOMPSON, Analucia (Orgs.). Dicionário IPHAN de Patrimônio Cultural. 2. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro, Brasília: IPHAN/DAF/Copedoc, 2016. (verbete). ISBN 978-85-7334-299-4. 

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Ficha Técnica

Carla A. Belas Docente do Mestrado Profissional em Preservação do Patrimônio Cultural do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - PEP/IPHAN. Doutora pelo Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade - CPDA/UFRRJ. Desenvolve pesquisas e possui publicações sobre os temas: propriedade intelectual, proteção aos conhecimentos tradicionais e patrimônio cultural.