Terreiros do Brasil: guardiões de tradição milenar

Publicado em 17 de agosto de 2015, às 18h17

Ações de salvaguarda e grupos de trabalho ressaltam o patrimônio cultural de matriz africana

A Casa de Xangô, como também é conhecido, fica em Salvador (Ba) e foi o segundo templo de culto afro-brasileiro a ganhar status de patrimônio nacional.. Foto: Acervo IphanOs primeiros centros de Umbanda e Candomblé se estabeleceram e lograram êxito em disseminar sua religiosidade no País há muitos anos. A formação do candomblé no Brasil e sua origem remontam ao início do século XIX (19), marcados pela luta e resistência de africanos escravizados que, obrigados a abandonarem suas terras e laços familiares, não renunciaram a sua cultura e fé e com isso construíram a religiosidade afro-brasileira.

Os Lugares de Culto de Matrizes Afro-Brasileiras, as regras, costumes, valores, preceitos e as orientações doutrinárias, bem como as performances da tradição ou linhagem religiosa internalizada pelo praticante são estudados e aprofundados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) que busca a construção de uma política pública integrada, voltada à preservação tanto dos aspectos culturais materiais quanto imateriais desses terreiros.

Entre essas tradições estão à culinária sagrada das religiões afro-brasileira, com todos os traços gastronômicos que lhes são peculiares, os cantos e o conhecimento das ervas sagradas. Os tradicionais terreiros de Candomblé, ao longo de sua história, contribuíram de modo significativo para preservar e difundir a cultura africana no Brasil. Guardiões e detentores de tradição milenar, os terreiros perpetuam o legado ancestral do culto aos orixás, lançando as sementes do que, atualmente, representa o Candomblé para o país e o mundo.

O Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC) reconhece os lugares de culto como centros técnicos de aprendizagem, preservação e repasse de saberes e ofícios que podem contribuir para as ações de salvaguarda patrimonial dos bens culturais produzidos pelo povo-de-santo de todo o país. Para que o local passe a fazer parte do Inventário Nacional é necessário uma pesquisa e sistematização da memória documental permitindo a atualização do laudo antropológico do terreiro, para compor o dossiê de pedido de seu tombamento como Patrimônio Cultural do Brasil.

Para isso, é preciso que seja feita uma gravação audiovisual de depoimentos relativos a personagens-chave, sobretudo os mais idosos, levantamento, e digitalização das fontes bibliográficas, fotografias e documentos históricos disponíveis em arquivos públicos, acervos privados, cartórios e cúrias batismais das cidades. Dentre as inúmeras ações que legitimam essas manifestações culturais, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) tem, atualmente, sob sua proteção oito terreiros de candomblé e um quilombo, o que fortalece o resgate da cultura africana no Brasil de forma contundente, demonstrando a amplitude da cultura negra nos costumes da sociedade brasileira.

A exemplo dessas ações de salvaguarda, o Iphan lançou, em 2014, o 1º Edital do Prêmio do Patrimônio Cultural dos Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana/2014. O prêmio tem como objetivo o reconhecimento de ações de preservação, valorização e documentação do Patrimônio Cultural dos Povos e Comunidades de Matriz Africana – comunidades de terreiro – já realizadas, e que, em razão da sua originalidade, excepcionalidade ou caráter exemplar, mereçam divulgação e reconhecimento público.

Outra iniciativa de preservação e salvaguarda foi criação, em 2013, do Grupo de Trabalho Interdepartamental para Preservação do Patrimônio Cultural de Terreiros (GTIT), que se mostrou necessária diante da riqueza e diversidade de tradições que compõem o universo cultural dos Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana. A iniciativa se faz importante, diante da incipiência de políticas culturais para estas manifestações e uma crescente demanda de identificação e proteção dos bens que as representam. 

Nesta terça-feira, dia 18 de agosto, ocorre a transmissão, ao vivo, da capacitação interna para gestão do patrimônio cultural dos povos e comunidades tradicionais de matriz africana. A abertura será feira pelo técnico do Iphan, Pedro Clerot, seguidas das falas Aspectos da tradição Jurema, por Alexandre L’Omi L’Odò, da Casa das Matas do Rei Malunguinho, às 9h45; e, às 14h30, retoma-se os trabalhos com o painel Aspectos da tradição Xambá, que será proferido por Guitinho da Xambá, Ilê Axé Oyá Meguê. 

Dessa maneira o GTIT tem o objetivo de alinhar as políticas de preservação do patrimônio e a diversidade cultural dos povos e comunidades tradicionais de matriz africana, bem como estabelecer diretrizes para a identificação, o reconhecimento e a preservação de bens culturais relacionados aos povos e comunidades tradicionais de matrizes africanas no âmbito do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).  

Foram definidas as seguintes ações prioritárias para o GTIT:
1-    Capacitação que pudesse atender os servidores do Iphan que lidam diretamente com o tema e gerar material de estudo para disponibilização ao público em geral, incentivando o debate e a reflexão sobre a preservação do patrimônio cultural, em especial dos povos de terreiros;

2-    Elaboração de nota técnica para orientação de instrução processos de reconhecimento;

3-    Apoio para cumprimento das metas assumidas pelo Iphan no Plano Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana 2013-2015 ;

4-    Apoio para conclusão dos processos de tombamento abertos relativos ao tema.

Capacitação GTIT
O programa de capacitação interna visa abordar aspectos de diversas tradições culturais dos povos e comunidades tradicionais de matriz africana, com falas ministradas por lideranças do segmento social.

Todas as conversas coordenadas são transmitidas em tempo real, pela internet. Os vídeos dos primeiros encontros estão disponíveis para utilização do corpo técnico da instituição e do público.

Confira:
15 de junho 2015
Política de preservação do patrimônio cultural de matriz africana - Aula inaugural com Márcia Sant’Anna

09 de julho 2015
Tradição KETU - Vanda Machado, Ilê Axé Opó Afonjá
Tradição Angola - Maria Lúcia Santana (Mameto) - Terreiro São Jorge Filho da Goméia

23 de julho 2015 
Tradição Egungun - Balbino Daniel de Paula, Agboulá
Tradição Jarê - Sandoval Amorim dos Santos, Palácio de Ogum 

Histórico
O primeiro terreiro tombado pelo Iphan foi o Casa Branca do Engenho Velho, em Salvador (BA), em 1984, data que foi reconhecido oficialmente como patrimônio histórico e etnográfico do Brasil. Cabe ressaltar, ainda, que foram inúmeros os desafios para legitimação dessa manifestação religiosa como Patrimônio Cultural. Contudo, romper a barreira do preconceito e da intolerância faz parte das históricas conquistas do povo negro no Brasil, e com o tombamento do Terreiro Casa Branca não foi diferente.

Também sob a guarda do Iphan estão diversos bens de origem africana classificados no Livro de Registro dos Saberes, para os conhecimentos e modos de fazer enraizados no cotidiano das comunidades; no Livro de Registro de Celebrações, para os rituais e festas que marcam vivência coletiva, religiosidade, entretenimento e outras práticas da vida social; no Livro de Registros das Formas de Expressão, para as manifestações artísticas em geral; e no Livro de Registro dos Lugares, para mercados, feiras, santuários, praças onde são concentradas ou reproduzidas práticas culturais coletivas. 

A proteção reafirma a postura da instituição na consolidação de um conceito sobre o Patrimônio Cultural, que inclui todas as manifestações que contribuíram para a formação da identidade nacional ao longo dos séculos e envolve a sociedade na gestão deste patrimônio. “Toda a história e resistência de um povo, representada neste espaço, que é o Terreiro, foi reconhecida e agora é um bem cultural brasileiro, protegido” celebra a presidenta do Iphan, Jurema Machado. Os terreiros já tombados pelo Iphan são Casa Branca, Ilê Axé Opô Afonjá, Gantois, Alaketu e Bate-folha, na Bahia em Salvador, e a Casa das Minas Jejê, em São Luís (MA).

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