Posicionamento do Iphan em relação ao PLS 654/2015

O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) vem a público manifestar sua contrariedade e preocupação em relação ao Projeto de Lei do Senado (PLS) n° 654/15 que dispõe sobre procedimento especial de licenciamento ambiental destinado às atividades e empreendimentos de infraestrutura considerados estratégicos para o desenvolvimento nacional, aprovado em caráter terminativo pela Comissão Especial do Desenvolvimento Nacional do Senado na última quarta feira, dia 25 de novembro de 2015. 

Conforme previsto na Constituição Federal (CF) nos art. 216 e 225, o patrimônio cultural é uma das dimensões do meio ambiente, o qual não se resume aos aspectos naturais. Deste modo, o Licenciamento Ambiental, principal instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente, desde que implementado no Brasil, reconheceu e recepcionou o patrimônio cultural brasileiro como parte integrante do meio ambiente, conforme os Art. 1° da Lei n° 6.938/81; Art. 6° da Resolução CONAMA n° 01/86 e Art. 2° da Resolução CONAMA n° 347/04, incluindo-o também na Lei de Crimes Ambientais em sua Seção IV (Lei n° 9605/98). 

O art. 1° deste PLS estabelece regras para o licenciamento ambiental especial para os empreendimentos de infraestrutura estratégicos para o desenvolvimento nacional sustentável e necessários à redução das desigualdades sociais e regionais, tais como: (i) sistemas viário, hidroviário, ferroviário e aeroviário; (ii) portos e instalações portuárias; (iii) energia; (iv) telecomunicações; e (v) exploração de recursos naturais. 

Sob o subjetivo conceito de estratégico encontram-se os grandes empreendimentos de infraestrutura que, embora importantes para o desenvolvimento e redução das desigualdades, são aqueles que oferecem maior risco ao patrimônio cultural, tendo em vista os altos impactos socioambientais de suas obras e de seu funcionamento. 

Portanto, antes de emitir qualquer posicionamento em relação à viabilidade de um determinado empreendimento, o Iphan entende serem necessários estudos preventivos de alta complexidade, cujo período de execução está intimamente relacionado com as características do projeto a ser implementado, tais como: tipologia, localização, existência de bens culturais acautelados na área pretendida, dentre outros. 

O Iphan lamenta que princípios basilares do Licenciamento Ambiental, como, por exemplo, precaução, prevenção, supremacia do interesse público na proteção do meio ambiente-cultural, dentre outros, não tenham sido observados durante a elaboração do PLS, ombreando os princípios da celeridade, eficiência e economicidade citados no referido texto. 

Ao contrário, entendemos que o PLS fere os princípios da prevenção e precaução, ao estabelecer, indiscriminadamente, um prazo máximo de 60 dias para a elaboração de estudos ambientais e, como decorrência, para os estudos de avaliação de impacto aos bens acautelados pelo Iphan, ou seja, bens culturais portadores de grande significado para a sociedade brasileira e, como tal, protegidos por Lei.

O PLS cria a figura do comitê específico que ficará responsável pela emissão do termo de referência, análise dos estudos e emissão de licença ambiental em rito único para empreendimentos classificados como estratégicos. Embora haja a previsão de que comitê seja composto pelo órgão licenciador e demais órgãos e entidades públicas envolvidas no processo de licenciamento ambiental, não há no PLS nenhuma previsão de que órgãos licenciadores consultem especificamente o Iphan. Em outras palavras, não há qualquer garantia de que o Iphan irá se manifestar nos comitês que serão formados, estejam eles a cargo dos órgãos licenciadores da União, Estados ou Municípios, sobretudo porque será operacionalmente impossível fazê-lo, considerando o prazo máximo de 10 dias, assim como as dimensões e as heterogeneidades do país.

Consideramos ainda mais grave a previsão de aquiescência à licença emitida quando os órgãos intervenientes não conseguirem responder ao comitê no prazo estipulado de 10 dias. O resultado prático desta medida será a exclusão da proteção dos bens culturais acautelados da grande maioria dos processos de licenciamento.
 
Além dos graves problemas apontados, o dispositivo de criação do comitê pelos órgãos licenciadores vinculados ao Poder Executivo é passível de ser interpretado como uma ingerência na organização e funcionamento da administração federal. 
Reiteramos que o Iphan não é contrário ao desenvolvimento do país, nem à redução das desigualdades sociais, argumentos que fundamentaram a apresentação deste PLS.  Contudo, a agenda a ser pactuada não pode significar a sobreposição do desenvolvimento econômico em detrimento de todas as questões culturais e ambientais, tão importantes para a nação que desejamos construir. 

Há ainda que se considerar que a flexibilização pretendida trará ainda mais riscos aos empreendimentos, gerando insegurança e conflitos socioambientais, maiores riscos de judicialização dos processos de licenciamento, com consequentes atrasos no cronograma das obras. Ou seja, acreditamos que o objetivo do PLS tampouco será alcançado. 

Ao longo dos últimos anos, o Iphan vem trabalhando para aprimorar seus procedimentos. A recente publicação da Instrução Normativa n°01/2015, que estabelece procedimentos administrativos a serem observados pelo Iphan nos processos de licenciamento ambiental dos quais participa, bem como os recentes concursos realizados para a admissão de analistas, são reflexo deste aprimoramento. 

Estas ações conferiram não apenas maior celeridade e previsibilidade à atuação do órgão, mas, sobretudo oferecem um avanço qualitativo em relação à proteção dos bens culturais acautelados e, em última instância, conferem maior segurança jurídica às licenças ambientais emitidas pelos órgãos licenciadores. 

Temos a convicção de que a sociedade brasileira entende que o instrumento do Licenciamento Ambiental precisa ser aprimorado e fortalecido e de que não deve ser utilizado para suprir décadas de ausência de políticas públicas em diversos setores.

Portanto, ao invés de flexibilizar o licenciamento, é necessário enfrentar o problema em sua origem. O caminho a ser perseguido passa por um constante fortalecimento e estruturação adequada dos órgãos envolvidos, pois só assim será possível dar a resposta necessária no tempo em que a sociedade brasileira necessita. Qualquer movimento em sentido contrário representa aviltamento de importantes conquistas e garantias sociais alcançadas e, como tal, um retrocesso na proteção e preservação aos bens de natureza difusa. 

Brasília, 01 de dezembro de 2015
Direção do Iphan

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