Vozes da cultura de matriz africana ecoam no combate à intolerância religiosa

Negro é a raiz da liberdade (Dona Ivone Lara)

Ataques a terreiros e lugares de culto à ancestralidade negra, cenas de racismo e intolerância às práticas culturais dos povos e comunidades de matriz africana ainda perpetuam o preconceito na sociedade brasileira. Para trazer o tema à tona, em 2007, foi sancionada a Lei nº 11.635 que faz do dia 21 de janeiro o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa.

Para combater este cenário de violência e preconceito, as manifestações culturais exercem o papel de transmitir a história desses povos e de resistência. Por isso, cada vez mais, os movimentos sociais reclamam e pressionam o poder público para terem suas demandas atendidas.Diante deste cenário, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) vem dialogando com detentores, representantes de movimentos sociais e de grupos culturais para construir políticas de preservação e salvaguarda do patrimônio cultural afro. 

Em 2013, o Iphan criou o Grupo de Trabalho Interdepartamental para Preservação do Patrimônio Cultural de Terreiros (GTIT). A iniciativa se fez necessária, devida a inexistência de políticas de patrimônio cultural voltadas às manifestações e a crescente identificação e proteção relativas aos bens culturais dos povos e comunidades de matriz africana. 

O primeiro objetivo foi aproximar os servidores dos assuntos abordados. Para isso, definiram-se ações prioritárias ao GTIT, como a capacitação dos servidores do Iphan que lidam diretamente com o tema; elaboração de nota técnica para orientação de processos de tombamento e/ou registro; apoio ao cumprimento das metas assumidas no Plano Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana 2013-2015; e suporte para conclusão dos processos de tombamento abertos. Desde junho de 2015, a primeira parte vem sendo executada. 

Outras iniciativas estão voltadas à produção de levantamentos, utilizando o Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC), com finalidade de mapear e dar visibilidade, em conjunto com as comunidades, às Casas, o que contribuirá para a valorização do bem cultural de natureza imaterial relacionado ao universo das religiões de matriz africana, bem como subsidiará o desenvolvimento de políticas públicas para o fortalecimento deste patrimônio. Iniciativas deste tipo contribuem, por exemplo, para tirar terreiros da clandestinidade, regularizando-os e garantindo proteção contra ataques violentos, como incêndios criminosos.  

Já foram realizados inventários de casas de terreiros no Distrito Federal, e outras experiências estão sendo realizadas em Curitiba (PR) e Palmas (TO). Isso possibilita uma compreensão da diversidade relacionada às diversas regiões do território nacional.

Reconhecimento 
Em 2015, a 28ª Edição do Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade (PRMFA) contemplou o projeto Ilé Omiojúàrò: Patrimônio Cultural. A iniciativa realiza levantamento de acervo de bens móveis e integrados ao patrimônio do terreiro e ações educativas, promovendo a preservação dos saberes e valores da cultura africana.

Confira o depoimento de líderes religiosas sobre intolerância (Fonte: Fundação Cultural Palmares)

Mãe JaciaraMãe Jaciara – Sucessora de Mãe Gilda no Terreiro Axé Abassá de Ogum, Mãe Jaciara é taxativa quando expressa sua opinião. “O maior problema para mim como Yalorixá de um Terreiro de Candomblé é o preconceito que as pessoas têm pela história e imagem distorcida a respeito ao candomblé. As pessoas relacionam a nossa religião à práticas de magias negras e cultos demoníacos. Não poderia estar mais longe da verdade”.

Mãe ValdinaMakota Valdina – Makota Valdina Pinto, do Terreiro Tanuri Junsara, em Salvador/BA, defende o direito à crença religiosa assegurado pelo Artigo 5º, inciso 6º da Constituição Federal. “Não podemos falar de intolerância sem relacioná-la ao racismo praticado contra as religiões afro-brasileiras”.

Mãe BeataMãe Beata – Filha de Exu com Yemanjá, Mãe Beata de Yemanjá é descendente de africanos escravizados e defensora da ancestralidade africana. “Quando eu observo que alguém está levando a conversa para caminho da intolerância religiosa, eu uso o respeito e vivência para derrubá-la. Precisamos estimular a consciência de que o Brasil é uma mistura de todas as raças e religiões”.

Mãe StellaMãe Stella de Oxóssi - Ialorixá do terreiro Ilê Axé Opó Afonjá, fundado em 1910 em São Gonçalo do Retiro-BA, afirma que sua luta é, e sempre será, pela igualdade de direitos: “Sigo esforçando-me para que a religião trazida pelo povo africano ao Brasil seja devidamente respeitada”.

 

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