Coleção de Bispo do Rosário pode se tornar Patrimônio Cultural do Brasil
Com uma vida repleta de mistérios, o sergipano Arthur Bispo do Rosário ganhou destaque no universo da arte contemporânea sem querer. Suas obras, produzidas sem o propósito de serem consideradas culturais, geraram debates sobre os limites entre a arte e a loucura. Diagnosticado como portador de esquizofrenia-paranoide, Bispo do Rosário (1909-1989) pode agora ter sua principal coleção reconhecida como Patrimônio Cultural Brasileiro. O Acervo de Arthur Bispo do Rosário é formado por 805 peças, entre elas estandartes, indumentárias, vitrines, fichários, móveis, objetos (recobertos com fio azul ou não) e vagões de espera. O acervo é composto por peças elaboradas em diversos materiais, como vidro, madeira, plástico, tecidos, linhas, botões, gesso, e diversos itens recolhidos do lixo e da sucata.
As obras mais famosas que compõem este acervo são as confeccionadas em tecido, como o Manto da Apresentação. Destacam-se também as faixas de misses e os fardões. Elas chamam a atenção pela maestria do artista no uso da agulha e linha. Os bordados trazem temáticas variadas, entre eles os navios, figuras recorrentes devido à sua relação com a Marinha na juventude.
Em 1994, o acervo recebeu reconhecimento estatal, com o tombamento pelo Instituto Estadual de Patrimônio Cultural (Inepac). A coleção Museu Bispo do Rosário de Arte Contemporânea fica no Complexo Instituto Municipal de Assistência à Saúde Juliano Moreira, situado à Estrada Rodrigues Caldas nº 3.400, Edifício Sede, no bairro de Jacarepaguá, na Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro.
O chamado
Dias antes do Natal de 1938, Bispo do Rosário ouviu vozes que o guiaram à Igreja da Candelária e ao Morro de São Bento. Segundo as vozes, ele era um enviado do Todo-Poderoso, responsável por julgar os vivos e os mortos e foi chamado a cumprir uma missão: “Vozes me dizem para me trancar em um quarto e começar a reconstruir o mundo”, dizia ele. Ele foi internado primeiro no Hospital Nacional dos Alienados, e dali foi transferido para a Colônia Juliano Moreira, onde viveu a maior parte dos 50 anos seguintes até falecer, em 5 de julho de 1989.
Todas as obras da coleção fazem parte de sua recriação de mundo, do inventário do mundo que Deus mandou-o executar, através das vozes que somente sua mente ouvia. O próprio artista considerava que os objetos que ele produzia eram parte de uma única obra: a recriação do mundo. Transformando o lugar de confinamento numa oficina de trabalho, ele fez com a linha e agulha, resíduos, despojos, enfim, com coisas banais do cotidiano, a matéria-prima de sua prática criativa.
Movido por uma missão maior de fazer o inventário do mundo guiado por vozes celestiais, ele acabou tendo seus trabalhos descobertos por especialistas. Críticos classificaram suas peças como arte vanguardista, comparando seus objetos à obra de Marcel Duchamp, artista ligado ao movimento Dadá.
Hoje, as quase mil criações de Bispo do Rosário têm lugar na História da Arte Contemporânea Brasileira. Em algum lugar do Brasil ou do mundo, praticamente todos os anos, suas obras participam de alguma exposição. Sua vida e obra deram a origem a filmes, livros e teses.