Sistema Agrícola Tradicional do Vale do Ribeira pode ser tornar Patrimônio Cultural do Brasil

Casa de pau-a-pique, Quilombo de Ivaporunduva

Desde o período colonial, o rio Ribeira do Iguape, no estado de São Paulo, viu o cultivo de mandioca, milho, feijão e arroz tornar-se o eixo estruturante do modo de vida de comunidades quilombolas que se instalaram nas suas margens. Entre o apogeu e a decadência da exploração do ouro, foi a agricultura de subsistência que permitiu a permanência dos grupos afrodescendentes nos vales e montanhas da região. Esse modo de fazer roça e os bens culturais a ele associados integram o Sistema Agrícola Tradicional das Comunidades Quilombolas do Vale do Ribeira. Muito além de uma atividade econômica, o plantar e colher estabeleceu as trocas com a natureza, os laços de parentesco e compadrio, a fabricação de materiais para o uso diário, a expressão do divino e as manifestações religiosas, de música e dança, transmitidos entre as sucessivas gerações que ali moraram. Os conhecimentos tradicionais das comunidades quilombolas alinhavam as questões de territorialidade e da conservação da agrobiodiversidade, tão importantes para a conservação da floresta do Vale do Ribeira. 

O Sistema Agrícola Tradicional (SAT) em si é um conjunto de práticas e conhecimentos agrícolas, ecológicos, sociais, religiosos e lúdicos que resultaram da experiência histórica dessas comunidades afrodescendentes no Vale do Ribeira. Com um modo de vida baseado na roça de coivara (também chamada de agricultura itinerante), os quilombolas manejaram o espaço com um padrão de ocupação itinerante, organizando o tempo em função do calendário agrícola.

Sobre o bem cultural
Sessenta pessoas participaram do mutirão da colheita de arroz, na comunidade do quilombo Morro SecoO Vale do Ribeira está situado na região sudeste do estado de São Paulo e leste do estado do Paraná, sendo que o Sistema Agrícola Tradicional das Comunidades Quilombolas se localiza às margens do rio Ribeira de Iguape, resultando da fixação de antigos agrupamentos rurais de famílias aparentadas e predominantemente negras. O processo de Registro do SAT abrange as 19 comunidades remanescentes de quilombos situadas em seis municípios do Vale do Ribeira e próximas a Unidades de Conservação de Mata Atlântica: de Morro Seco, em Iguape; de Mandira, em Cananéia; de Abobral Margem-Esquerda, de Pedro Cubas, de Pedro Cubas de Cima, de Sapatu, de Ivaporunduva, de André Lopes, de Galvão e de São Pedro, em Eldorado; de Poça, em Eldorado e Jacupiranga; de Nhunguara, em Eldorado e Iporanga; de Piririca, de Maria Rosa, de Pilões, de Bombas, de Praia Grande e de Porto Velho, em Iporanga; e de Cangume, em Itaóca.

O SAT é experiência acumulada na pesquisa e observação das dinâmicas ecológicas e resultados de manejo, mas também fruto do repertório de conhecimentos que remontam origens africanas e indígenas. Transmitidos através das gerações por meio da oralidade e observação em vivências práticas, esses saberes formam as maneiras de olhar a natureza, de avaliar e de decidir sobre o manejo dos recursos naturais para a agricultura, de ensinar, de promover trocas, de sentir e de criar que estão conectados à roça. Integram um sistema de conhecimentos que asseguram o ciclo contínuo de plantio, colheita e consumo e promovem não apenas a segurança alimentar das comunidades, mas também a diversidade biológica da floresta.

Os saberes relacionados à produção agrícola extrapolam o cultivo e a colheita, pois incluem os modos de fazer o transporte e a estocagem dos grãos e demais produtos, de transformá-los em diferentes receitas culinárias, de integrar as refeições aos momentos de sociabilidade, de realizar ritos e festividades, de confeccionar instrumentos musicais e de tocá-los, de dançar, de contar histórias, de retribuir favores e honrar compromissos, de estabelecer laços de afinidade e afeto.

O registro do Sistema Agrícola Tradicional das Comunidades Quilombolas do Vale do Ribeira como Patrimônio Cultural do Brasil ampliará as ações de salvaguarda já realizadas por grupos quilombolas da região, com atividades de valorização das técnicas agrícolas tradicionais, proteção da floresta, estruturação de cadeias de comercialização, educação e transmissão de conhecimento, formação de pesquisadores, visibilidade e adequação da legislação ambiental, entre outras. 

 

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