Dicionário do Patrimônio Cultural

Bens Procurados

Verbete

Raphael João Hallack Fabrino

Geralmente o termo ou expressão “bem procurado” é utilizado para caracterizar bens móveis e integrados que foram alienados de seu local de origem ou guarda. A procura de um bem por parte dos setores públicos responsáveis pela preservação do patrimônio cultural pressupõe que o item ou artefato se encontre sob regime especial de proteção, ou seja, tenha sido identificado pelo poder público como uma referência identitária local, regional ou nacional, ou tenha sido acautelado por legislação específica, sofrendo, assim, restrições em sua circulação e comercialização. Essa condição distingue os bens que fazem parte do patrimônio cultural brasileiro de itens similares encontrados em outras edificações e locais. No caso dos bens móveis e integrados, o poder público define seu valor cultural por meio do tombamento individual, em conjunto ou como parte integrante e fundamental na composição de um imóvel protegido. Nos dois primeiros casos, os bens são inscritos nos livros de tombo individualmente, como uma coleção ou acervo. No caso dos bens móveis e integrados pertencentes aos imóveis tombados, a forma de se definir a extensão do tombamento da edificação para seu acervo, ou parte dele, ocorre por meio de listagens, arrolamentos ou inventários presentes no processo de tombamento ou em sua documentação complementar. Cabe mencionar que a ausência de referências ao acervo no processo de tombamento não significa que determinado item ou objeto pertencente a uma edificação tombada possa ser deslocado, vendido ou comercializado livremente, sem o prévio conhecimento e autorização do órgão responsável pelo tombamento.  Quanto às edificações eclesiásticas de culto tombadas pelo IPHAN, são considerados protegidos todos os bens móveis e integrados presentes em seu interior na época de seu tombamento, prerrogativa estabelecida pela normativa gerada pelo parecer do processo IPHAN nº 13 de 1985 (SPHAN, 1985). Ao ser considerado protegido, um bem móvel ou integrado passa a fazer parte de um regime especial permanente, cujas restrições são estabelecidas pelo Decreto-lei nº 25 de 1937. Esse documento impõe as seguintes orientações: o cidadão deve informar ao IPHAN quando adquirir um bem tombado; o deslocamento ou transferência do bem de seu lugar de origem ou guarda deve ser comunicado ao IPHAN, devendo seu local de destino ser explicitado; o bem tombado não pode sair do país sem prévia comunicação e anuência do IPHAN; no caso de furto ou extravio, o respectivo proprietário deverá dar conhecimento do fato ao IPHAN em cinco dias; os bens tombados não podem ser destruídos, mutilados, reparados, pintados ou restaurados sem prévia autorização do IPHAN; os bens tombados ficam sujeitos à vigilância permanente do IPHAN, que poderá inspecioná-los sempre que considerar conveniente; quando um proprietário particular for vender um bem móvel ou integrado tombado, a União, os estados e os municípios terão, nesta ordem, o direito de preferência, devendo ser oferecidos a estes pelo mesmo preço ofertado a outrem, sendo nula a venda que não respeitar essa determinação. A infração de alguma dessas prerrogativas pode ocasionar multa ao proprietário e sequestro do bem, quando este for recuperado, ou sua inclusão no hall de bens procurados, quando não recuperado. Dessa forma, entende-se que todo bem móvel ou integrado tombado, que foi deslocado do seu local de origem ou guarda, sem atender as prerrogativas legais definidas pelo Decreto-lei nº 25, de 1937, cujo destino não foi identificado, é considerado um bem procurado

No decorrer de sua trajetória, o IPHAN criou legislações complementares ao Decreto-lei nº 25/37, que preveem a restrição ou normatização da circulação de bens culturais móveis e integrados sob sua proteção. Nesse âmbito, destaca-se a Lei nº 3.924 de 1961, sobre bens arqueológicos e pré-históricos; a Lei nº 4.845, de 1965, que proíbe a saída para o exterior de obras de arte e ofícios produzidos no país até o fim do período monárquico; e a Lei nº 5.471, de 1968, que dispõe sobre a exportação de livros antigos e conjuntos bibliográficos brasileiros. 

Esse conjunto de leis e regras estabelecidas pelo poder público buscou um maior controle sobre a circulação dos bens móveis e integrados sob proteção do IPHAN, com o objetivo de fiscalizar o mercado legal de artes e antiguidades, assim como combater o comércio ilícito e o tráfico de bens culturais protegidos no país. Em 1973, o Brasil aderiu aos termos da Carta de Paris, documento produzido na XVI Conferência da Unesco, realizada em 14 de novembro de 1970, que discorreu sobre as medidas a serem adotadas para proibir e impedir a importação, exportação e transferência de bens culturais de propriedade ilícita. Entre 1997 e 1998, o IPHAN participou das campanhas internacionais do Conselho Internacional de Museus (Icom). Dentre as principais consequências desses encontros se destacou a criação do Banco de Dados de Bens Culturais Procurados (BCP), inaugurado em 18 de maio de 1998. Por meio dessa iniciativa foi possível a consulta pública na rede mundial de computadores dos bens culturais protegidos pela União que foram roubados, furtados ou que se encontravam desaparecidos. Vale salientar que as informações sobre bens culturais procurados, presentes no BCP do IPHAN, são restritas aos objetos acautelados pela União. Ao ser constatado o desaparecimento de bem protegido pela União, por meio de denúncia ou fruto da ação de fiscalização de técnicos do IPHAN, é aberto um processo individual para cada item procurado. Esse bem passa a compor o Banco de Dados de Bens Culturais Procurados do IPHAN, que promoverá ações em conjunto com a Polícia Federal, a Organização Internacional de Polícia Criminal (Interpol) e o Ministério Público no intuito de identificar, recuperar e devolver aos locais de origem, os bens culturais tombados que foram extraviados, furtados ou roubados.

Em 11 de junho de 2007, o IPHAN instituiu a Instrução Normativa nº 1, que dispõe sobre o cadastro especial dos negociantes de antiguidades, de obras de arte de qualquer natureza, manuscritos e livros antigos ou raros. Esse cadastro tem como objetivo identificar os negociantes, assim como os bens não tombados e em comercialização, visando sua inclusão no Inventário Nacional de Bens Culturais de Natureza Material e possível acautelamento. O negociante deve encaminhar ao IPHAN a listagem dos bens que possui em acervo, os que estão à venda e os itens que irão a leilão, de acordo com as especificidades indicadas na Instrução Normativa. Indiretamente, essa normatização do comércio de artes e antiguidades colabora com a identificação de bens procurados negociados no mercado legal – situação frequente no Brasil, uma vez que parte significativa dos bens procurados desapareceu há muitos anos, não raramente há décadas. Ao ser identificado um bem procurado pela União, este será apreendido pela Polícia Federal e restituído ao seu local de origem. Não havendo possibilidade de restituição, este será encaminhado a outra instituição de guarda definida pelo poder público. 

É importante ressaltar as obrigações dos proprietários de bens móveis e integrados protegidos, que devem observar as determinações da legislação pertinente. Cabe destacar ainda o papel relevante de distintas entidades públicas e setores da sociedade civil visando impedir, inibir e reduzir a subtração de bens culturais de interesse de preservação no país, assim como auxiliar o poder público em sua identificação e restituição.

Fontes consultadas
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.
_______. Decreto-lei nº 25, de 30 de novembro de 1937. Organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional, Rio de Janeiro, 1937.
_______. Lei nº 3.924, de 26 de julho de 1961. Dispõe sobre os monumentos arqueológicos e pré-históricos, Brasília, DF: 1961.
_______. Lei nº 4.845, de 19 de novembro de 1965. Proíbe a saída, para o exterior, de obras de arte e ofícios produzidos no país, até o fim do período monárquico, Brasília, DF, 1965.
_______. Lei nº 5.471, de 9 de julho de 1960. Dispõe sobre a exportação de livros antigos e conjuntos bibliográficos brasileiros, Brasília, DF, 1960.
IPHAN. Instrução Normativa nº 1, 11 de junho de 2007. Dispõe sobre o cadastro especial dos negociantes de antiguidades, de obras de arte de qualquer natureza, manuscritos e livros antigos ou raros.
UNESCO. Convenção relativa às medidas a serem adotadas para proibir e impedir a importação, exportação e transferência de propriedades ilícitas dos bens culturais, 12-14 de novembro de 1970, Paris.
FABRINO, Raphael João Hallack. Os furtos de obras de Arte Sacra em igrejas tombadas do Rio de Janeiro (1957 -1995). 2012. 107 f. Dissertação (Mestrado em Preservação do Patrimônio Cultural) – IPHAN, Rio de Janeiro, 2012.
SPHAN. Processo Administrativo nº 13/85/SPHAN. Resolução do Conselho Consultivo da SPHAN. 1985.

Como citar: HALLACK, Raphael. Bens procurados. In: REZENDE, Maria Beatriz; GRIECO, Bettina; TEIXEIRA, Luciano; THOMPSON, Analucia (Orgs.). Dicionário IPHAN de Patrimônio Cultural. 1. ed. Rio de Janeiro, Brasília: IPHAN/DAF/Copedoc, 2015. (verbete). ISBN 978-85-7334-279-6 

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Ficha Técnica

Raphael Hallack Graduação em Artes Plásticas pela Universidade Federal de Juiz de Fora e em História pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora. Pós-graduado em Cultura e Arte Barroca pela Universidade Federal de Ouro Preto e mestre em preservação do Patrimônio Cultural pelo Mestrado Profissional em Preservação do Patrimônio Cultural do IPHAN (PEP/IPHAN). Atuou como gerente de Identificação no Instituto Estadual de Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (IEPHA/MG), entre 2013 e 2015, e pesquisador na Superintendência do IPHAN no Rio de Janeiro, de 2009 a 2011. Foi perito em obras de arte da Receita Federal do Galeão, Rio de Janeiro (2011-2015) e professor dos cursos de História e Artes Plásticas no Centro Universitário Geraldo di Biase (2009).