Dicionário do Patrimônio Cultural

Conventos

Verbete

Ana Cláudia Vasconcellos Magalhães

A paisagem brasileira tem sido marcada pela presença da Igreja Católica desde a chegada de Pedro Álvares Cabral em 1500, cuja comitiva foi integrada por frades franciscanos. Ao longo do tempo, várias outras ordens religiosas, masculinas e femininas, também foram se instalando: carmelitas, dominicanos, clarissas, capuchinhos, entre outras. Embora jesuítas e beneditinos também tenham tido presença atuante no Brasil Colônia, aqui não serão abordados, pois suas comunidades viviam em colégios e mosteiros, respectivamente.

Aliados da empresa colonial portuguesa, os religiosos participaram e contribuíram intensamente com o processo de ocupação do território, inicialmente por meio da missionação e da catequese itinerante em aldeias, povoados e vilas e, posteriormente, fixando-se em conventos. Em 1585 foi fundado em Olinda/PE o primeiro convento franciscano no Brasil.

Os embriões dos conventos eram edificações singelas, constituídas por capelinha para as cerimônias religiosas e casa para o abrigo dos religiosos. Com o tempo, os edifícios foram sendo ampliados, agregando a sua estrutura interna novos espaços para o exercício das práticas inerentes às Ordens. Com isso, sofisticava-se a organização interna e se enriquecia a tipologia arquitetônica. 

O convento é um complexo arquitetônico que se caracteriza, basicamente, pela presença da igreja da ordem regular (frades e freiras), capela da Ordem Terceira (leigos) e moradia dos religiosos; esta última composta pelos ambientes necessários às práticas espirituais e de natureza mundana: portaria, Sala do Capítulo, claustro, cozinha, refeitório, celas, enfermaria, biblioteca, latrinas, entre outros. A maioria dos conventos de origem colonial possuía senzalas para acomodar os escravos utilizados nos serviços domésticos.

O claustro se impõe no ambiente interno como elemento definidor do espaço e da estrutura conventual desde os antigos mosteiros medievais. Em torno dele se organizam os demais ambientes de uso comum da comunidade religiosa. Espaço articulador da estrutura conventual, é quase sempre passagem obrigatória, uma vez que por ele se acessa a igreja e a maioria dos demais ambientes do prédio. Caracteriza-se por uma série de arcadas, geralmente em pedra, que emoldura uma área aberta, a partir da qual se contempla a abóbada celeste, numa alusão à ligação entre o céu e a terra.

Aos espaços internos se somam os externos não edificados, que são os adros (amplos pátios à frente das igrejas) e as cercas (nome genérico atribuído aos quintais conventuais). Alguns conventos possuem adros monumentais, com cruzeiros grandiosos, azulejos e esculturas, a exemplo do Convento Franciscano de Santo Antônio, em João Pessoa/PB. 

Os conventos, principalmente suas igrejas e capelas, foram especialmente favorecidos pelo estilo Barroco (séculos XVII e XVIII), quando determinadas partes do prédio eram enriquecidas com elementos artísticos ricamente decorados. Nesse sentido, frontispícios, retábulos, forros, púlpitos e portadas foram valorizados por uma linguagem caracterizada por acentuada expressão visual, por meio de formas, cores e texturas, estabelecendo uma forte ligação estética entre arquitetura, escultura e pintura, com o uso de madeira dourada e policromada, cantaria e azulejos. A esses elementos se associam a imaginária, as alfaias e paramentos, objetos de natureza ritualística e devocional, que conferem aos espaços internos uma ambiência peculiar caraterizada pela necessidade de mediação entre o humano e o sagrado. 

As Ordens Terceiras, entidades religiosas leigas associadas às ordens regulares, contribuíram bastante para o enriquecimento visual dos conventos. As capelas dos terceiros se localizam, geralmente, perpendiculares à nave da igreja ou, por vezes, constituem um edifício separado do corpo do convento, podendo ser desdobrado em vários espaços, incluindo, nos casos de maior porte, até um claustro particular. 

Reconhecidos como parte indissociável da paisagem brasileira à qual agregam valor devido a sua imponência física e força estética e pela sua importância na formação cultural da sociedade, antigos conventos de todo o país (incluindo os prédios das Ordens Terceiras) têm sido alvo de políticas preservacionistas por parte do governo federal. Desde os primórdios do antigo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), o instrumento do tombamento é usado como recurso principal para sua preservação. Nesse sentido, a instituição tem sido eficiente ao atuar por meio das intervenções restaurativas que executa ou que fiscaliza, prevenindo também a descaraterização dos prédios, combatendo as forças especulativas e mercadológicas que avançam sobre a arquitetura conventual e seus usos inadequados. A primeira inscrição de tombamento no Livro Histórico do SPHAN foi a do Convento e Igreja de São Francisco, em Salvador/BA, em 31 de março de 1938.

Entre 1938 e 1999 ocorreram 71 inscrições nos Livros de Tombo do IPHAN –Belas Artes e/ou Histórico – relativas a conventos distribuídos por cidades de Alagoas, Bahia, Espírito Santo, Pará, Paraíba, Pernambuco, Rio de Janeiro, São Paulo e Sergipe.

A compreensão da arquitetura conventual como uma unidade, na qual todos os componentes são imprescindíveis à manutenção da sua integridade histórica e estética, levou o IPHAN a também proteger, via tombamento, cercas e adros, por vezes incorporando cruzeiros e cemitérios, a exemplo dos conventos franciscanos de Olinda e Igarassu/PE, João Pessoa/PB e Cabo Frio/RJ. Isso foi essencial para a preservação dos complexos conventuais, pois o crescimento urbano, muitas vezes, demandou a ocupação dessas áreas, descaracterizando e empobrecendo a feição original do conjunto.

Em 1985, uma decisão do Conselho Consultivo do IPHAN estabeleceu que os bens móveis e integrados dos monumentos tombados estavam, a partir de então, automaticamente protegidos por lei. Com isso, garantiu-se a proteção, também, aos elementos artísticos, essenciais à realização de práticas de natureza imaterial, como cerimônias, rituais, devoções, os quais, aliados à pedra e cal, conformam esse importante traço da memória nacional que são os conventos brasileiros.

Fontes consultadas
BAZIN, Germain. A arquitetura religiosa barroca no Brasil. Tradução Glória L. Nunes. Rio de Janeiro: Record, 1956. v. 1, v. 2.
WILLEKE OFM, Frei Venâncio. Missões franciscanas no Brasil. Petrópolis: Editora Vozes Ltda., 1978.
IPHAN. Lista de bens culturais inscritos nos Livros do Tombo (1938-2012). Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/portal/baixaFcdAnexo.do?id=3263>. Acesso em: jan. 2014.

Como citar: MAGALHÃES, Ana Cláudia Vasconcellos. Conventos. In: REZENDE, Maria Beatriz; GRIECO, Bettina; TEIXEIRA, Luciano; THOMPSON, Analucia (Orgs.). Dicionário IPHAN de Patrimônio Cultural. 1. ed. Rio de Janeiro, Brasília: IPHAN/DAF/Copedoc, 2015. (verbete). ISBN 978-85-7334-279-6

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Ficha Técnica

Ana Cláudia Vasconcellos Magalhães Arquiteta e historiadora; especialista em Conservação e Restauração de Bens Culturais Móveis pelo Centro de Conservação e Restauração de Bens Culturais Móveis (Cecor) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mestre em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL) [Tema: Convento Franciscano de Santa Maria Madalena, Alagoas], servidora do Departamento do Patrimônio Material e Fiscalização (Depam) do IPHAN, lotada na Coordenação de Conservação do Patrimônio Material.