Dicionário do Patrimônio Cultural

Estação de Hidroaviões

Verbete

Flávia Brito do Nascimento

A Estação de Hidroaviões localizada no Rio de Janeiro foi o terceiro tombamento de bens arquitetônicos modernos realizado pelo IPHAN – depois da Igreja de São Francisco de Assis em Belo Horizonte em 1947 e, no ano seguinte, do prédio do Ministério da Educação e Saúde Pública no Rio de Janeiro. Em dezembro de 1956, o diretor da então Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (DPHAN), Rodrigo Melo Franco de Andrade, em ofício ao diretor do Serviço do Patrimônio da União, comunicou a decisão do tombamento do edifício, informando que “a referida construção constitui um dos marcos fundamentais da arquitetura moderna brasileira” (ANDRADE, 1956).

O pedido de proteção da Estação partiu do arquiteto Lucio Costa, em função da ameaça de demolição do edifício para a construção do Elevado da Perimetral, que iria contornar toda a orla marítima do centro do Rio de Janeiro, passando junto ao porto e terminando na Avenida Brasil. A Estação de Hidros já estava desativada desde a década de 1950, poucos anos após a sua inauguração, sendo utilizada como Clube da Aeronáutica. A notícia da possibilidade de sua descaracterização ou mutilação levou o Instituto de Arquitetos do Brasil a se mobilizar contra a construção do Elevado, propondo, inclusive, utilizar o edifício como sua sede. 

O projeto do edifício foi vencedor de concurso público nacional realizado na mesma ocasião do concurso para o Terminal de Passageiros do Aeroporto Santos Dumont. À época de sua construção, o uso de hidroaviões era uma aposta da aviação nacional, o que justificou a sua realização às margens da Baía de Guanabara, próximo à Praça XV. O projeto de Attílio Correia Lima, com a colaboração de Renato Soeiro, Jorge Ferreira, Renato Mesquita e Tomás Estrela, contemplava o programa de usos necessários ao embarque e desembarque de passageiros e bagagens, além de um restaurante no segundo piso com terraço e vista panorâmica para o mar, cujo acesso era feito por escada helicoidal de grande efeito plástico. 

Attílio Correia Lima, formado em 1925 pela Escola Nacional de Belas Artes (Enba), logo em seguida seguiu para Paris para cursar o mestrado em urbanismo. Na volta ao Brasil, durante o breve período de reforma do curso da Enba em 1931, foi convidado por Lucio Costa para ser professor na Escola Nacional de Belas Artes da disciplina Urbanismo. Trabalhando com projetos de grande escala, como o plano urbano regional do Vale do Paraíba e o projeto para a cidade de Goiânia, participou do concurso para a Estação de Hidros, mobilizando a linguagem arquitetônica moderna com afinidade e rigor. Sua obra não pode ter prosseguimento, dada sua morte precoce em um acidente de avião em 1943. 

Construída entre 1937 e 1938, a Estação de Hidros está entre os primeiros edifícios públicos nos quais se utilizou a linguagem arquitetônica do movimento moderno: estrutura livre de concreto armado, grandes panos de vidro com vista para os hidroaviões do embarcadouro, pilotis e marquises em balanço. Juntamente com o projeto dos irmãos Roberto de 1936 para a sede da ABI – Associação Brasileira de Imprensa –, o edifício de Attílio Correia Lima inaugurou o rico período de realizações da chamada Escola Carioca, cujos atributos seriam largamente divulgados em âmbito nacional e internacional a partir da exposição e do livro realizados pelo Museu de Arte Moderna (MoMa) de Nova York, chamados Brazil Builds, que contaram com a estreita participação dos arquitetos do SPHAN para sua elaboração (QUESADO-DECKER, 2001, p. 117). 

Para Bruand (1991, p.103), as propostas vencedoras de Attílio Correia Lima para a Estação de Hidroaviões e as dos Roberto para a sede da ABI e o Aeroporto de Santos Dumont eram a “prova evidente de que, repentinamente, algo havia mudado”, referindo-se à hegemonia intelectual que a arquitetura moderna iria assumir nos anos seguintes no Brasil. O edifício mereceu destaque em Brazil Builds recebendo elogios de Phillip Goodwin (1943, p. 152), que destacou o uso da estrutura independente em cimento armado, a escada externa em espiral que conduz ao restaurante no segundo pavimento, a leve passagem coberta que conduz para o cais, além da entrada de automóveis, “cheia de simples e correta discrição”.

O tombamento da Estação de Hidros, a partir da atuação da DPHAN, representava a perspectiva de perpetuação da arquitetura moderna brasileira que, em meados dos anos 1950, já estava consolidada. À época, o conselheiro da DPHAN, Paulo Santos, arquiteto e professor da Faculdade Nacional de Arquitetura, em resposta à impugnação do tombamento feita pelo Ministério da Aeronáutica – sob várias argumentações, dentre elas a de que o edifício estava mutilado pela passagem do viaduto –, afirmou que o Elevado da Perimetral não retirara do edifício suas características intrínsecas e deu parecer favorável à proteção federal, que seria “motivo de orgulho às gerações futuras por seu excepcional significado na eclosão de um movimento de expressão internacional, como foi a arquitetura contemporânea do Brasil, não igualado em latitude, por nenhum outro da nossa história artística” (SANTOS, 1958).

Fontes consultadas

ANDRADE, Rodrigo Melo Franco de. Ofício nº 103 do Ministério da Educação e Cultura, 20 de fevereiro de 1956. In: IPHAN. Processo nº 552-T-56. Arquivo Central do IPHAN/Seção Rio de Janeiro.
BRUAND, Yves. Arquitetura contemporânea no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1991. 
GOODWIN, Philip. Brazil Builds: architecture new and old 1652-1942. New York: The Museum of Modern Art, 1943.
MINDLIN, Henrique. Arquitetura moderna no Brasil. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2000.
NASCIMENTO, Flávia Brito do. Blocos de memórias: habitação social, arquitetura moderna e patrimônio cultural. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) – FAU, USP, São Paulo, 2011. 
QUEZADO-DECKER, Zilah. Brazil built: the architecture of the modern movement in Brazil. London/New York: Spon Press, 2001.
SANTOS, Paulo. Resolução do Conselho Consultivo da DPHAN. 21 de agosto de 1958. In: IPHAN. Processo nº 552-T-56. Arquivo Central do IPHAN/Seção Rio de Janeiro.
XAVIER, Alberto et. al. Arquitetura moderna no Rio de Janeiro. São Paulo: Pini, Fundação Vilanova Artigas; Rio de Janeiro: RioArte, 1991.

Como citar: NASCIMENTO, Flávia Brito do. Estação de Hidroaviões. In: REZENDE, Maria Beatriz; GRIECO, Bettina; TEIXEIRA, Luciano; THOMPSON, Analucia (Orgs.). Dicionário IPHAN de Patrimônio Cultural. 1. ed. Rio de Janeiro, Brasília: IPHAN/DAF/Copedoc, 2015. (verbete).  ISBN 978-85-7334-279-6

 

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Ficha Técnica

Flávia Brito do Nascimento Arquiteta e historiadora; doutora pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU/USP). Foi arquiteta do IPHAN em São Paulo. Atualmente é docente do Departamento de História da Arquitetura e Estética do Projeto, da FAU/USP.