Dicionário do Patrimônio Cultural
Programa de Cidades Históricas (PCH)
Verbete
Sandra Rafaela Magalhães Correa
O Programa de Cidades Históricas (PCH) foi implementado no início da década de 1970 pelo Ministério do Planejamento e Coordenação Geral (Miniplan) com vistas à recuperação das cidades históricas da região Nordeste do Brasil. Além disso, buscava a descentralização da política de preservação cultural por meio de sua execução pelos estados, aplicando recursos significativos nessa área.
O Programa começou a ser delineado por meio da criação de um grupo de trabalho pelo Miniplan em dezembro de 1972, constituído por membros dos ministérios da Educação e Cultura (Minc/IPHAN), da Indústria e Comércio, do Interior e do próprio Planejamento. Em maio de 1973, João Paulo dos Reis Velloso e Jarbas Passarinho, ministros do Miniplan e do Ministério da Educação (MEC), respectivamente, emitiram a Exposição de Motivos 076-B, regulamentada pela Portaria Miniplan 050/73, que criou efetivamente o Programa Integrado de Reconstrução das Cidades Históricas do Nordeste, com sua Utilização para Fins Turísticos.
O principal objetivo do Programa era preservar os monumentos tombados, tornando-os economicamente viáveis por meio de seu uso e, com isso, gerar renda advinda da atividade turística. A ideia era criar um círculo virtuoso de autossustentação econômica, ou seja, após os investimentos iniciais do Programa, a economia do turismo local financiaria a conservação dos monumentos. Seus objetivos específicos eram:
[...] restauração de [...] monumentos históricos, artísticos e expressões culturais do Nordeste; participação [...] de organismos governamentais, a níveis federal, estadual e municipal, direta ou indiretamente relacionados ao Programa; utilização prioritária desses monumentos por parte de organizações privadas [...] [do] setor turístico ou [...] repartições públicas, empresas paraestatais, autarquias ou bancos oficiais; formação de recursos humanos para a restauração e preservação [...] a nível universitário, a nível intermediário e operário; formação de pessoal especializado na criação artística e artesanal; complementação da infraestrutura física de acesso, serviços públicos e hospedagem na região; estímulo e recomendação aos Estados e Municípios para que concedam favores fiscais capazes de otimizar a restauração e manutenção de monumentos históricos e artísticos de suas comunidades; promoção e divulgação de nossos monumentos de valor histórico e artístico, junto à comunidade municipal [...]; promoção e divulgação dos mesmos monumentos a nível nacional e internacional [...] (BRASIL, 1973, p. 2-4).
A participação efetiva dos estados se dava por meio de uma contrapartida financeira mínima de 20% a ser aplicada na execução de obras de infraestrutura, bem como estudos e planos de desenvolvimento local. Além disso, havia a obrigatoriedade de se manter a equipe e a estrutura local para execução do Programa. Os critérios de priorização para o atendimento às cidades eram:
a) possuir infraestrutura turística adequada (prioridade 1);
b) possuir monumentos “em vias de destruição” (prioridade 2);
c) possuir infraestrutura turística inadequada, mas em razoável estado de conservação (prioridade 3).
Apesar de ser um programa de cidades, inicialmente o enquadramento de projetos financiáveis visava, essencialmente, a recuperação física dos monumentos, não refletindo uma visão global e compreensiva dos sítios históricos. Essa visão começou a se configurar logo no início, a partir de ajustes decorrentes de críticas e avaliações tanto externas quanto da própria equipe responsável pelo Programa. Nesse sentido, já a partir de 1976, ampliou-se a possibilidade de investimento em áreas urbanas e obras emergenciais protegidas em qualquer nível da administração pública, desde que houvesse legislação específica de proteção e mecanismos que garantissem a manutenção dos bens restaurados.
Ainda em 1975, novo Grupo de Trabalho Interministerial foi constituído, visando à inclusão no Programa dos estados do Espírito Santo, de Minas Gerais e do Rio de Janeiro. Em fevereiro de 1977 publicaram-se as alterações propostas pelo GT.
Além da ampliação da área-programa, os novos instrumentos estabeleceram uma Comissão de Coordenação e Acompanhamento (CCA), composta pelo IPHAN, pelo Instituto Brasileiro de Turismo (Embratur), pela Comissão Nacional de Regiões Metropolitanas e Política Urbana (CNPU) e pela Secretaria de Planejamento da Presidência da República (Seplan/PR), que passou a aprovar os planos de preservação estaduais como primeira condição para os investimentos federais. Com isso se pretendia garantir um planejamento global para todos os projetos, o que permitiria uma análise mais acurada sobre a potencial recuperação do sítio e a coerência dos roteiros turísticos propostos. Apenas após essa aprovação, os projetos eram encaminhados para exame do IPHAN, da Embratur e da Seplan/PR. Agregando à análise questões referentes ao desenvolvimento urbano, passaram a ser priorizadas as cidades:
a) em desagregação ou empobrecimento e que por suas características possam vir a se constituir em receptoras de fluxos turísticos;
b) com atividades turísticas consolidadas ou em vias de consolidação;
c) atingidas ou em vias de serem atingidas por obras ou atividades que por sua dinâmica possam representar perigo à preservação dos bens culturais;
d) em processo de crescimento urbano acelerado. (BRASIL, 1977, p. 1)
Assim, os monumentos passaram também a ser vistos como oportunidades de reorganização do espaço intraurbano, adequando-se a usos que não necessariamente reverteriam rentabilidade econômica, mas poderiam ter retorno social, articulando-se às diretrizes da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano, elaborada em 1975.
Em novembro de 1979 se iniciou uma profunda alteração na estrutura do IPHAN, cuja proposta foi elaborada com recursos do PCH: o Centro Nacional de Referências Culturais (CNRC) e o Programa de Cidades Históricas foram incorporados ao IPHAN que, no mesmo mês, foi transformado, pelo Decreto nº 84.198/1979, na Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN). Em 17 de dezembro de 1979, foi instituída a Fundação Nacional Pró-Memória (FNpM), concluindo a reorganização da estrutura do Instituto. Assim, estava criado o Sistema SPHAN/FNpM, no qual a Secretaria manteve as atribuições e poderes legais do IPHAN, especialmente o poder de polícia, e a Fundação Nacional Pró-Memória se tornou seu braço executivo, conformando um sistema de gestão inovador e extremamente eficiente.
A Exposição de Motivos 320/1979, assinada pelo ministro da Educação e Cultura e pelo ministro do Planejamento, que transferiu para o IPHAN o Programa de Cidades Históricas, a partir de então assim oficialmente intitulado, estendeu-o a todo território nacional. Consolidou-se um projeto de desenvolvimento urbano dos núcleos históricos que já vinha sendo apresentado nos documentos internos do Programa. O objeto (patrimônio cultural brasileiro) e o objetivo geral (identificar, documentar, proteger, classificar, restaurar e revitalizar esse patrimônio) foram ampliados. Os objetivos específicos, por sua vez, visavam garantir um “melhor conhecimento, maior participação e o uso adequado desses bens”.
Assim, plenamente integrado ao sistema que definia a política de preservação do patrimônio cultural brasileiro, o PCH passou a se constituir em uma ação dessa política, e não mais em um programa específico, utilizando, então, abordagens e instrumentos bastante diferenciados daqueles referentes ao período anterior a 1979. No entanto, isso não impede que essa etapa seja considerada como uma continuidade do Programa, ou como um resultado das atividades que se encerraram na fase anterior.
A indução de novas práticas no IPHAN e em instituições estaduais, provavelmente, é o principal legado do Programa, especialmente nos aspectos conceituais e de gestão trabalhados já ao fim da década de 1960 pelo IPHAN e Unesco. A proposta aberta do PCH possibilitou o exercício conceitual da intervenção em áreas urbanas, qualificando-se as práticas ao longo do processo, juntamente com a entrada de novos atores – as equipes estaduais e outros órgãos federais, dos quais se destaca a CNPU.
No que se refere a resultados quantitativos, até 1979 foram investidos 17,3 milhões de dólares provenientes do Fundo de Desenvolvimento de Programas Integrados (U$ 9 milhões no Nordeste, de 1973 a 1979, e U$ 8,3 milhões no Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo de 1977 a 1979). Com esses recursos foram realizadas 143 obras em monumentos (85% dos investimentos); oito cursos de qualificação de mão-de-obra nos três níveis (superior, intermediário e operário); sete planos urbanísticos; seis obras em espaços públicos (urbanos); e 10 ações de tipos diversos.
Fontes consultadas
BRASIL. Exposição de motivos nº 076-B, de 31 de maio de 1973. Regulamentada pela Portaria Miniplan 050/73. Brasília.
______. Portaria Interministerial nº 19, de 04 de março de 1977. Brasília: Seplan, MEC, Midic.
CORRÊA, Sandra Rafaela Magalhães. O Programa de Cidades Históricas (PCH): por uma política integrada de preservação do Patrimônio Cultural – 1973/1979. 2012. 287 f. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Universidade de Brasília, Brasília, 2012.
Entrevistas
ANDRADE, Henrique Oswaldo de. Entrevista concedida pelo coordenador nacional do Programa de Cidades Históricas a Lia Calabre e Lúcia Lippi em 07/04/2008. Projeto Política cultural e cidadania, Fundação Getúlio Vargas. Não publicado.
ANDRADE, Henrique Oswaldo de. Entrevista concedida pelo coordenador nacional do Programa de Cidades Históricas, de 1975 a 1985, a Sandra Corrêa em 05/05/2011.
ANDRADE, Henrique Oswaldo de. Entrevista concedida pelo coordenador nacional do Programa de Cidades Históricas de 1975 a 1985 a Sandra Corrêa em 06/07/2012.
Arquivos
Arquivo da Superintendência do IPHAN em Pernambuco. Arquivos do Programa de Cidades Históricas. Recife, outubro de 2010.
Arquivo Central do IPHAN em Brasília. Arquivos do Programa de Cidades Históricas. Brasília, março a junho de 2011.
Como citar: CORRÊA, Sandra Rafaela Magalhães. O Programa de Cidades Históricas (PCH). In: REZENDE, Maria Beatriz; GRIECO, Bettina; TEIXEIRA, Luciano; THOMPSON, Analucia (Orgs). Dicionário IPHAN de Patrimônio Cultural. 1. ed. Rio de Janeiro, Brasília: IPHAN/DAF/Copedoc, 2015. (verbete). ISBN 978-85-7334-279-6
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Ficha Técnica
Sandra Rafaela Magalhães Corrêa Arquiteta e urbanista graduada pela Universidade Federal do Paraná, em 2003, especialista em Conservação e Restauração de Monumentos e Conjuntos Históricos (Cecre) pela Universidade Federal da Bahia (2004) e mestre em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de Brasília (2012). Atuou em projetos de restauração até o ano de 2006, quando ingressou como servidora no IPHAN, sendo, hoje, coordenadora de fomento do Departamento de Patrimônio Material do Instituto. É, ainda, uma das autoras dos livros Igrejas ucranianas: arquitetura da imigração do Paraná e Igreja de São Miguel Arcanjo: restauração arquitetônica.