Dicionário do Patrimônio Cultural
Arqueologia histórica
Verbete
Alejandra Saladino e Rodrigo Pereira
Conforme defende Funari (2003), a Arqueologia se caracteriza como uma ciência que se debruça sobre o estudo da materialidade elaborada pelas sociedades humanas como um dos aspectos de sua cultura – em sentido amplo – sem limitar-se ao caráter cronológico. A Arqueologia, portanto, é uma das disciplinas científicas que estudam as relações entre cultura material e sociedades estabelecidas na longa duração.
A vertente da Arqueologia que trata do estudo das sociedades no contexto da presença da escrita e/ou documentação define-se como “Histórica”. Para Oser e Funari (2004, p. 22) esta tem como função “[...] alterar as grandes narrativas de poder que são frequentemente representadas nos documentos [...]”. Destarte, a Arqueologia Histórica analisa o registro da materialidade que os grupos deixaram associados às fontes escritas e orais, ressaltando-se que o registro escrito tende a ser “lido” na pauta política em que a Arqueologia está inserida.
Desta maneira, materiais arqueológicos recentes (com pouco mais de 50 anos) ou mais recuados na história (com mais de cem anos) podem ser objetos das pesquisas. Ressalta-se que esses objetos saem do contexto sistêmico para o contexto arqueológico, ou seja, são descartados da sociedade e transformam-se em resquício arqueológico, compreendido como todo e qualquer objeto que possa promover inferência sobre comportamentos pretéritos (SCHIFFER, 1972).
A Arqueologia Histórica analisa as transformações sociais recentes e suas consequências para a formação de um registro arqueológico que explane essas alterações, perceptíveis de um ponto de vista de um materialismo histórico e também de um prisma que evidencie as mudanças ideacionais dos diversos grupos que formam a sociedade brasileira. A Arqueologia Histórica permite contribuir com a elaboração de explicações que deem conta das mudanças na paisagem brasileira e que, sobretudo, versem sobre estas alterações realizadas por diversos agentes que compõem a matriz multicultural nacional.
As evidências da presença humana analisadas à luz do corpus teórico e com o ferramental metodológico próprios da Arqueologia transformam-se em bens arqueológicos. Conforme o Artigo nº 216 da Constituição Federal de 1988, são bens da União e, portanto, sobre eles são aplicados instrumentos jurídicos e técnicos para garantir a sua proteção e sua preservação.
O patrimônio cultural está sob a tutela do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). As competências dessa autarquia, no tocante à preservação dessa categoria de bens, são muitas e estão discriminadas no Decreto nº 6.844/09. Algumas são diretamente direcionadas sobre os bens arqueológicos, pois, de acordo com o Art. 17, Incisos VIII e IX do dispositivo supracitado, o Departamento de Patrimônio Material e Fiscalização (DEPAM), por intermédio do Centro Nacional (CNA), autoriza, acompanha e avalia as pesquisas arqueológicas realizadas no país, além de cadastrar e registrar os sítios arqueológicos do país.
Outras competências de caráter genérico, são igualmente fundamentais para a consolidação de políticas públicas de preservação dos bens arqueológicos. Destacam-se aquelas conferidas pelo Art. 17, no inciso I (que trata da proposição de diretrizes, critérios e normas para a proteção dos bens culturais de natureza material, de forma a garantir sua preservação e usufruto presente e futuro pela sociedade), no inciso X (que trata da proposição de normas e procedimentos de fiscalização e de aplicação de penalidades, bem como da avaliação de medidas mitigatórias e compensatórias pelo não cumprimento das ações necessárias à proteção do patrimônio cultural brasileiro) e, finalmente, no inciso XII (que trata da proposição de normas de uso, de acesso, de intervenção, de responsabilidades e de obrigações para a proteção e conservação do patrimônio cultural brasileiro).
Os instrumentos técnicos para a proteção e preservação dos bens arqueológicos patrimonializados referem-se ao Sistema de Gestão do Patrimônio Arqueológico. A identificação dos sítios arqueológicos e das coleções e o registro da documentação produzida se dão por meio do Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos, do Inventário Nacional das Coleções Arqueológicas e de um banco de imagens.
No campo jurídico-legal, dispõe-se da Lei nº 3.924/61 para clarificar sobre os conceitos e princípios para a proteção dos bens arqueológicos e orientar a prática da pesquisa arqueológica no país. Se os bens arqueológicos forem reconhecidos, a eles são atribuídos valores patrimoniais e, ainda, for de interesse público a sua preservação, aplica-se tombamento disposto no Decreto-lei nº 25/37.
Esse decreto não denomina o que seja o patrimônio arqueológico, tampouco os materiais que o constituem. A definição dos bens arqueológicos protegidos pela União fica explícita no Artigo 2º da Lei nº 3.924/61, que dispõe sobre os monumentos arqueológicos e pré-históricos, hoje compreendidos como pré-coloniais.
Vale destacar que este dispositivo se refere apenas aos bens de origem pré-histórica. Todavia, a partir de uma leitura mais flexível da alínea (a) do artigo supracitado, é possível considerar os “jazigos, aterrados, estearias e quaisquer outas não especificadas aqui, mas de significado idêntico a juízo da autoridade competente” como sítios com bens arqueológicos históricos, “como aqueles itens fabricados e/ou modificados pela ação humana, incluindo louças, garrafas e frascos de vidro, metais e assim por diante” (GLENO; MACHADO, 2013, p. 166).
A prática da Arqueologia e a preservação dos bens arqueológicos contam ainda com a Instrução Normativa IPHAN nº1/15, que busca patamares de proporcionalidade entre a dimensão das pesquisas e dos empreendimentos em processo de licenciamento ambiental e da socialização desses bens.
Desde 1937, o IPHAN conta com parcerias que viabilizam a elaboração e implantação de ações de preservação dos bens arqueológicos, dentre as quais se destaca a cooperação entre a autarquia e o Museu Nacional, que inaugurou a cooperação entre União, comunidade arqueológica e instituições de guarda.
Fontes Consultadas:
BRASIL. Decreto-lei nº 25, de 30 de novembro de 1937. Organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional. Rio de Janeiro/DF: 1937. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del0025.htm>. Acesso em: 18 maio 2015.
________. Constituição da República Federativa do Brasil. Texto constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988, com as alterações adotadas pelas Emendas Constitucionais nos 1/1992 a 68/2011, pelo Decreto Legislativo no 186/2008 e pelas Emendas Constitucionais de Revisão nos 1 a 6/1994. 35. ed. Brasília/DF: Centro de Documentação e Informação/Edições Câmara, 2012.
________. Lei n° 3.924, de 26 de julho de 1961. Dispõe sobre os monumentos arqueológicos e pré-históricos. Brasília/DF: 1961. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1950-1969/L3924.htm>. Acesso em: 18 maio 2015.
________. Decreto nº 6.844, de 7 de maio de 2009. Aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das Funções Gratificadas do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN, e dá outras providências. Brasília/DF: 2009. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1950-1969/L3924.htm>; <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d6844.htm>. Acesso em: 18 maio 2015.
FUNARI, Pedro Paulo A. A Arqueologia. São Paulo: Contextos, 2003.
GLENO, Diego Antônio; MACHADO, Neli Teresinha Galarce. Arqueologia Histórica – abordagens. História: Questões & Debates, Curitiba, n. 58, p. 161-183, jan./jun. 2013.
OSER, Charles E. Jr; FUNARI, Pedro Paulo. Arqueologia da resistência escrava. In: Cadernos do LEPAARQ. Textos de Antropologia, Arqueologia e Patrimônio, v. 1, n. 2, p. 11-25, 2004.
SCHIFFER, M. Archaeological context and systemic context. American Antiquity, v. 37, n. 2, p. 156-165, Apr. 1972.
Como citar: SALADINO, Alejandra; PEREIRA, Rodrigo. Arqueologia histórica. In: GRIECO, Bettina; TEIXEIRA, Luciano; THOMPSON, Analucia (Orgs.). Dicionário IPHAN de Patrimônio Cultural. 2. ed. Rio de Janeiro, Brasília: IPHAN/DAF/Copedoc, 2016. (verbete). ISBN 978-85-7334-299-4
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Ficha Técnica
Alejandra Saladino Mestre em Memória Social (PPGMS/UNIRIO), Doutora em Ciências Sociais (PPCIS/UERJ), Mestranda em Arqueologia (MN/UFRJ), Professora da Escola de Museologia (UNIRIO), do Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio (PPG-PMUS) e do Mestrado Profissional em Preservação do Patrimônio Cultural (IPHAN).
Rodrigo Pereira Mestre em Arqueologia (Museu Nacional da Quinta da Boa Vista/UFRJ), Mestre em Ciências Sociais (UERJ) e Doutorando em Arqueologia (Museu Nacional da Quinta da Boa Vista/UFRJ). Membro do Laboratório de História das Experiências Religiosas (LHER/IH/UFRJ).