Mário de Andrade

Mário de Andrade não era apenas um, eram muitos, múltiplos. Intelectual, escritor, crítico literário, musicólogo, ensaísta, folclorista e, sobretudo, um produtor de ideias, sempre a procura de um germe novo que se abriga na tradição.

Seu livro Paulicéia Desvairada o tornou um dos principais expoentes da Semana de Arte Moderna de 1922, movimento que revolucionou os cânones da arte e da cultura brasileira, junto com Oswald de Andrade, Menotti del Picchia, Tarsila do Amaral, Anita Malfatti e uma verdadeira plêiade de artistas e intelectuais. A Semana traz à cena cultural novos valores estéticos identificados com as vanguardas europeias, mais simultaneamente voltadas para a valorização de um passado até então desprezado e a ruptura com o academicismo então vigente. O resgate de um Brasil de feição mestiça e desgarrado dos padrões europeus de então, mais indígena, mais africano, mais caboclo e caipira, inicia uma nova síntese cultural que procura abarcar as múltiplas faces da brasilidade e da modernidade.

Desde sua primeira obra, Há uma Gota de Sangue em Cada Poema, de 1917, transparece a multiplicidade de interesses e um olhar amplo sobre a nossa cultura, em um espectro que compreende as manifestações de vanguarda como Macunaíma e o já citado Paulicéia Desvairada até o resgate de nossas mais caras tradições artísticas e culturais, como por exemplo, Modinhas Imperiais e oTurista Aprendiz, relato de suas andanças e descobertas pelas regiões Nordeste e Norte da década de 20 até os anos 30, e trouxeram à tona um Brasil esquecido, porém rico e diverso de manifestações, como o Maracatu, a Marajuda, o Cavalo Marinho, o Pastoril, o Coco, o Bumba meu Boi e tantas outras ocorrências da fusão de folguedos, danças, músicas de origem ibérica, africana e indígena.

Sua relação com a preservação de nossa memória e patrimônio é visceral. Em 1920 fruto de sua primeira viagem a Minas em 1919, publica Arte Religiosa em Minas Gerais, sobre os monumentos e igrejas das cidades mineiras do ciclo do ouro. Participa da lendária viagem a Minas, de 1924, em companhia de Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral e do poeta e escritor francês Blaise Cendrars, que redescobrem o barroco como uma manifestação legítima de nossas mais caras raízes e matrizes, e Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, como seu mais importante intérprete.

Na década seguinte, em 1936, aceita o convite do então Ministro da Educação e Saúde, Gustavo Capanema, para redigir o anteprojeto de criação do futuro SPHAN – Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, criado em 1937 e que teve como primeiro diretor Rodrigo Melo Franco de Andrade. Ainda hoje, impressiona o anteprojeto por sua clarividência e contemporaneidade, decorridos quase 80 anos. Sua colaboração com o SPHAN, atual Iphan, se estende até a sua morte precoce em 25 de fevereiro de 1945. Desde então, a obra de Mário de Andrade e suas realizações assumem importância crescente. Sua correspondência com outros modernistas, como Carlos Drummond de Andrade, Rodrigo Melo Franco de Andrade, Fernando Sabino, Manuel Bandeira, Gustavo Capanema e muitos outros, traça a crônica e o cenário de uma época em que, após séculos de colonialismo cultural, o país forma sua imagem e identidade.

A preservação e valorização do patrimônio cultural no Brasil têm muito de seu DNA e, sem dúvida, o anteprojeto de criação do SPHAN significa sua certidão de nascimento. Ainda esse ano, em parceria com o Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo - IEB, o Iphan publicará uma nova edição revista e comentada, de O Turista Aprendiz, uma de suas obras mais importantes.

Mario foi o primeiro responsável pela condução dos trabalhos na então 4ª Região do Iphan, que compreendia os estados de São Paulo, Mato Grosso, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Adquiriu a seu tempo, com o propósito de restaurá-lo e deixá-lo como herança ao SPHAN para ser utilizado como refúgio de artistas, o Sítio Santo Antônio e sua Capela, construídos no século XVII, em São Roque (SP), pelo bandeirante Fernão Pais de Barros. O Sítio foi tombado em 1941, Mario o doou ao Iphan, em 1944, e seu desejo foi em parte realizado: atualmente, o Sítio está restaurado e aberto à visitação pública.

Em janeiro último, em uma operação conjunta entre o Iphan e a Polícia Federal, foi resgatada a imagem da Nossa Senhora do Rosário, furtada há 35 anos da Capela do Sítio Santo Antônio. Em breve ela voltará para seu lugar de origem, restaurando a configuração original do templo. 

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