O impacto das últimas chuvas e as ações do Iphan no centro histórico de Salvador (BA)
Salvador recebeu no ultimo mês um dos maiores volumes de chuvas dos últimos 20 anos, resultando em números impressionantes: mais de mil famílias desabrigadas, 12 desabamentos de imóveis, 90 deslizamentos de terra e 21 mortos em diversas regiões da cidade.
O centro histórico da cidade, parte dele tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e parte dele reconhecido como Patrimônio Mundial pela UNESCO, contribuiu para essa trágica estatística, com o registro da morte de dois moradores e do arruinamento ou danos a vários casarões.
O centro histórico de Salvador passa por processo de esvaziamento funcional, seguido de abandono e degradação física dos imóveis, desde o final do século XIX, por razões históricas que não cabe aqui desenvolver e que vão desde a perda de função do porto, seguida da mudança das famílias abastadas para novos bairros residenciais e, principalmente, de decisões do planejamento local, a partir da década de 1960, de redirecionar o crescimento urbano para áreas mais distantes e aptas a favorecer o crescimento do mercado imobiliário.
A proteção do Iphan sobre o patrimônio da primeira capital do Brasil inicia-se ainda em 1938, com o tombamento de seus principais monumentos; em 1984 é tombada toda a área do centro histórico, conhecido como Pelourinho e, em 2009, o tombamento do centro histórico se estende para a chamada área do Comércio ou Cidade Baixa. Essa região contínua, sem considerar os vários monumentos dispersos em outras regiões da cidade, tem cerca de 100 hectares e cerca de 7 mil edificações, na sua grande maioria privadas.
Desde sempre, mas especialmente na última década, o Iphan investiu incessantemente nessa região da cidade. A partir de 2005, iniciam-se as obras do Programa Monumenta, que, além de monumentos, aportou, pela primeira vez, recursos para que o Governo Estadual adaptasse casarões para moradias na área chamada 7ª etapa do Pelourinho.
Afora ações rotineiras de orientação e escoramento, volumes maiores de recursos foram aplicados entre 2013 e 2014, utilizando orçamento do Iphan e do Ministério da Cultura, no escoramento parcial ou na estabilização completa de 36 de casarões apontados como prioritários pela Defesa Civil que, encontravam-se, assim como um enorme contingente existente na área, vazios, abandonados pelos antigos proprietários e mesmo pelos ocupantes mais recentes. Esses imóveis resistiram perfeitamente às chuvas de maio. Encontra-se em implantação, a partir de 2014, o PAC Cidades Históricas, um grande programa de preservação do patrimônio urbano, com uma previsão total de 143 milhões em investimentos, sendo seis obras já em andamento, com valores contratados de 54 milhões. (ver dados detalhados a seguir)
A distribuição dos investimentos mais recentes na região, sendo os do PAC em andamento, está representada na listagem e no mapa ao lado.
A documentação fala por si: em todo o período de chuvas ininterruptas sobre áreas de encostas, sobre casas sem telhado ou sem um mínimo de proteção para as alvenarias, duas situações mais graves ocorreram na área tombada pelo Iphan e levaram a Defesa Civil a orientar a demolição de imóveis com a qual o Iphan anuiu. As duas situações estão marcadas em vermelho no mapa ao lado: nas proximidades do Elevador Lacerda foi demolido um conjunto de cinco fachadas, com poucos remanescentes do restante das casas, e na Ladeira da Preguiça uma casa foi demolida. Ambos são locais próximos ou junto à falésia, ou seja, à grande falha geológica que atravessa o centro histórico de Salvador, e por isso sua fragilidade, além do risco que oferecem aos imóveis localizados abaixo. Ambas as situações foram tão graves - estranhamente as noticias veiculadas não apontam esse fato, como se ele fosse de menor importância – que, em ambas, houve vítimas fatais: uma mulher nas proximidades do Elevador Lacerda e um homem na Ladeira da Preguiça.
As imagens das cinco fachadas demolidas na Ladeira da Montanha e da casa demolida na Ladeira da Preguiça estão também a seguir.
Esses dados só corroboram uma história por demais conhecida nas grandes cidades dos países em desenvolvimento que é a deterioração de suas áreas centrais - nem todas são sítios históricos com a magnitude do de Salvador, mas com mazelas semelhantes - tema que, embora tenha recebido mais atenção nas últimas décadas, com vários movimentos de “volta ao centro”, não alcançou a integração dos atores para que se tenha política abrangente, com resultados substantivos e sustentáveis.
As áreas centrais de nossas cidades, em especial as áreas históricas, clamam por uma estratégia de desenvolvimento econômico e social, sobretudo por uma política específica de habitação social, que vai muito além da política de patrimônio. Essa, por nunca ter abandonado seu foco, aparece como responsável isolada quando os problemas acontecem.
Conservar ou condenar nossos centros históricos é uma escolha das nossas sociedades, que deve estar refletida em todas as políticas – urbana, social, cultural, de desenvolvimento - de todos os níveis de governo e da sociedade. Simplificar o problema e reduzi-lo ao maniqueísmo ou à suposta vontade de um único ente público é certamente uma das explicações para não termos ainda alcançado centros históricos com a vitalidade, a diversidade e o grau de preservação que merecem.
Imóveis escorados pelo Iphan:
1. Rua do Passo nº 24
2. Rua do Passo nº 26
3. Rua do Passo nº 28
4. Ladeira do Carmo nº 41
5. Ladeira do Carmo nº 43
6. Ladeira do Carmo nº 45
7. Largo da Glória nº 14
8. Largo da Palma nº 03
9. Rua da Conceição nº 34
10. Rua da Conceição nº 30
11. Rua da Conceição da Praia nº 28
12. Rua da Conceição da Praia nº 26
Imóveis estabilizados pelo Iphan – 2013/14:
1. Rua do Tijolo nº 16
2. Rua do Tijolo nº 18
3. Rua dos Adobes nº 33
4. Rua Conselheiro Lafayete nº 09
5. Rua Conselheyro Lafayete nº 11
6. Rua Conselheiro Lafayete nº 13
7. Rua Conselheiro Lafayete nº 15
8. Rua Conselheiro Lafayete nº 17
9. Rua dos Perdões nº 34
10. Rua do Taboão nº 42
11. Rua do Taboão nº 57
12. Rua do Julião nº 01
13. Rua do Julião nº 03
14. Rua do Julião nº 05
15. Rua do Julião nº 07
16. Rua do Julião nº 09
17. Rua do Taboão nº 53
18. Rua do Julião nº 53
19. Rua do Julião nº 55
20. Rua do Julião nº 57
21. Rua do Julião nº 59
Imóveis escorados pela Prefeitura:
1. Rua do Gravatá nº 05
2. Rua do Gravatá nº 07
3. Largo do Tesouro nº 29
4. Largo do Tesouro nº 31/33
5. Largo do Tesouro nº 33/35
6. Rua da Independência nº 37
7. Rua da Independência nº 45
8. Praça dos veteranos nº 30
9. Rua dos Adobes nº 33
10. Ladeira da Conceição nº 03
11. Ladeira da Conceição nº 05
12. Rua do Corpo Santo nº 05
13. Rua do Corpo Santo nº 07
14. Rua do Alvo nº 28
15. Rua dos Adobes nº 05
16. Ladeira da Soledade nº 138
17. Ladeira da Soledade nº 131
18. Ladeira da Soledade nº 133
19. Rua do Julião nº 01
20. Rua do Julião nº 03
21. Rua do Julião nº 05/07
22. Rua do Julião nº 06
23. Rua do Julião nº 08
24. Rua do Julião nº 09
25. Ladeira da Conceição nº 13
26. Rua do Corpo Santo nº 27
27. Rua do Corpo Santo nº 29
28. Rua Pau da Bandeira s/n
29. Ladeira da Montanha nº 17
30. Ladeira da Montanha nº 39
31. Rua do Taboão nº 53
32. Rua do Taboão nº 59
33. Rua Conselheiro Lafayete nº 09
34. Rua Conselheiro Lafayete nº 11
35. Rua Aristides Milton nº 02
Imóveis demolidos com autorização do Iphan (ruínas, muros e/ou construções contemporâneas irregulares): (Ver fotografias)
1. Ladeira da Montanha nº 63/63A
2. Ladeira da Montanha nº 65
3. Ladeira da Preguiça 7/9
4. Rua do Taboão nº 59
Obras do PAC Cidades Históricas em andamento (imóveis públicos e de uso público):
1. Igreja e Conjunto de São Domingos – R$ 7.495.194,71
2. Catedral Basílica de Salvador – R$ 12.350.496,09
3. Igreja do Santíssimo Sacramento da Rua do Passo – R$ 8.328.947,58
4. Plano Inclinado e Edifício do 18º Batalhão – R$ 8.016.500,00
5. Restauração de edificações do Conjunto da Rua da Conceição da Praia – R$ 10.400.595,50
6. Forte São Marcelo - Consolidação Estrutural - R$ 7.652.182,86
Demais obras do PAC Cidades Históricas em processo preparatório para contratação (imóveis públicos e de uso público):
1. Restauração da Igreja de Nossa Senhora da Saúde e Glória
2. Requalificação urbanística do entorno do Portal da Misericórdia - Receptivo, acessibilidade e implantação de ascensor
3. Restauração do edifício a Praça Castro Alves - implantação do Centro de Referência do Centro Antigo
4. Requalificação do Teatro Gregório de Mattos
5. Restauração e implantação da biblioteca Anísio Teixeira
6. Restauração do Solar Berquó
7. Restauração do antigo Hotel Castro Alves - ampliação do Centro Cultural da Barroquinha
8. Restauração de Casarão na Ladeira da Barroquinha - implantação da Sede da Fundação Gregório de Matos
9. Restauração de edificação - biblioteca e arquivo e centro técnico do Iphan
10. Restauração da Igreja do Corpo Santo
11. Restauração da Igreja e Cemitério de Nossa Senhora do Pilar
12. Implantação de ligação entre o MAM/BA e o Forte da Gamboa
13. Restauração do Forte de São Paulo da Gamboa - implantação do Centro de Escoteiros do Mar
14. Recuperação do Elevador do Taboão
15. Requalificação das edificações localizadas nos arcos da Montanha
16. Recuperação e requalificação das muralhas da encosta do Centro Histórico de Salvador
17. Implantação de Plano Inclinado entre a Praça Castro Alves e a Conceição
Valor global destinado ao PAC Cidades Históricas em Salvador: R$ 143 milhões de reais
Fachadas e remanescentes de demolidos na Ladeira da Montanha:
A área em destaque corresponde àquela onde houve atuação da Prefeitura Municipal em função do deslizamento de terra ocorrido.
Imóvel nº 63: restava apenas a fachada frontal do imóvel. No seu interior, diversas ocupações irregulares.
Imóvel nº 63A: restava apenas a fachada frontal do imóvel. No seu interior, diversas ocupações irregulares.
Imóvel nº 65: edificação demolida que ainda possuía cobertura, ainda que com severas patologias estruturais que se estendiam a toda a edificação
Imóvel de nº 67: já não existia edificação. Tratava-se de muro atrás do qual foram construídas ocupações irregulares na encosta.
Imóvel de nº 69: já não existia edificação. Tratava-se também de muro atrás do qual foram construídas ocupações irregulares na encosta. Sem resquícios de qualquer elemento arquitetônico relevante.
O imóvel de nº63/63ª já havia sido notificado 09 vezes até o ano de 2009, quando da elaboração do Relatório Casarões pela Defesa Civil, (notificações 53930 / 53929 / 53928 / 53927 / 53926 / 53925 / 53924 / 53923 / 53922). Em função do risco oferecido, à época foi solicitada pela Defesa Civil do Município de Salvador a demolição das fachadas remanescentes, que não foi autorizada pelo Iphan. Da mesma forma, as vistorias realizadas durante a elaboração do relatório já indicavam o risco alto oferecido pela edificação
de nº 65.
No dia 20 de maio ocorreu um deslizamento de terra que provocou o soterramento de diversas edificações construídas na escarpa da falha geológica, causando 01 fatalidade. A situação da ocupação irregular da encosta era a mostrada na fotografia a seguir, obtida no dia do acidente.
Vista dos imóveis de nº 63/63ª. Diversas famílias ocupavam o local, numa situação gritante de risco, o que poderia resultar num desastre ainda maior.
Vista do local a partir do Elevador Lacerda. Notar a ocupação irregular no sobre a encosta. Acima, à esquerda da foto, é possível notar o
comprometimento e o risco oferecido ao imóvel de nº 65, estruturado sobre pilares de tijolo na encosta.
Com o deslizamento, havia receio que a sobrecarga provocada pelas ocupações acima da encosta e a continuidade das chuvas ocasionassem um novo acidente, provocando a destruição dos casarões da Rua da Conceição da Praia.
As fachadas das casas construídas em uma vila interna impediram o avanço do deslizamento sobre as edificações localizadas na Rua da Conceição da Praia.
Dado o risco, foi autorizada a realização da demolição das fachadas dos imóveis nº 63/63ª e do imóvel de nº 65, únicos remanescentes no trecho com características arquitetônicas de suas fachadas ainda aparentes, em que pesasse o elevado grau de deterioração.
Imóveis demolidos na Ladeira da Preguiça
As setas amarelas mostram como se deu o arruinamento, em “efeito dominó”. Em vermelho, o imóvel onde houve uma vítima fatal. O primeiro imóvel, de número 07, era uma ruína, tendo se perdido completamente. O segundo não possuía cobertura. Apenas o térreo era ocupado, mas não havia ninguém no momento. Foi completamente destruído, restando apenas escombros e parte da fachada frontal, que não resistiu à retirada dos escombros.