Documentários do Etnodoc entram em fase de produção

publicada em 16 de abril de 2010, às 14h34

 

Estão em fase de produção os 16 projetos selecionados no Edital de apoio à produção de documentários etnográficos sobre patrimônio cultural imaterial - Etnodoc 2009. Desta forma, está sendo cumprida a exigência de apresentação da documentação para a assinatura dos respectivos termos de compromisso. Os documentários destinam-se à exibição em redes públicas de TV, em festivais e mostras. Os projetos selecionados faziam parte do total de 706 inscritos, um número que superou todas as expectativas e que representa um aumento de mais de 50% em relação à primeira edição, em 2007. 

O Etnodoc tem como objetivo ampliar as ações de valorização e promoção do patrimônio cultural, além de estimular iniciativas voltadas para a melhoria das condições de transmissão, produção e reprodução dos bens culturais que compõem esse universo. O edital tem o patrocínio da Petrobrás, de R$ 1,2 milhão e a gestão é da Associação Cultural de Amigos do Museu de Folclore Edison Carneiro.

Projetos Selecionados 
Sinopses dos projetos selecionados

Eu tenho a palavra
Autoria e direção: Lilian Solá Santiago, São Paulo
Uma viagem linguística em busca das origens africanas da cultura brasileira. O antigo reino do Congo foi a origem da maioria dos africanos escravizados no Brasil, que, no cativeiro, criaram diversos dialetos para que pudessem se comunicar livremente, dentre os quais a “língua do negro da Costa” ainda é preservada na comunidade remanescente de quilombo de Tabatinga (Bom Despacho, MG). O idioma é composto por um português rural do Brasil-Colônia e línguas do grupo Banto, com predomínio do quimbundo e mbundo, faladas até hoje em Angola. Dois personagens – um falante da “língua do negro da Costa” e outro de quimbundo e mbundo – são os guias nessa viagem transoceânica de reconhecimento.

Vento Leste
Autoria e direção: Joel de Almeida, Bahia
Trata-se de um documentário poético que irá mostrar a viagem de dois dos últimos saveiros comerciais da Baía de Todos os Santos: o E da vida, que sai da tradicional localidade de Maragogipinho carregado de cerâmicas, e o Sombra da lua, que sai de Maragogipe carregado de frutas, verduras e carnes defumadas, ambos com destino a Salvador. Na primeira parte do percurso, o espectador irá ver nas margens ruínas de fortificações, engenhos de açúcar e igrejas do Brasil Colonial; na segunda, indústrias modernas, uma movimentação de barcos cortando o mar em alta velocidade e grandes cargueiros ancorados no porto. Durante o trajeto, os mestres tripulantes revelarão suas experiências de vida, fatos históricos e lendas da região.

Quindim de Pessach
Autoria: Viviane Lessa Peres, São Paulo
Direção: Juliana Crelier e Olindo Estevam
O documentário á mostrar o encontro entre a cultura judaica e a brasileira por intermédio da culinária, retratando o modo como esse saber foi transmitido pelas matriarcas judias para suas brasileiríssimas cozinheiras, que aprenderam com elas não apenas as receitas desses pratos carregados de tradição, mas também todos os costumes – simbólicos, festivos e religiosos – relacionados à comida. O documentário pretende, assim, destacar como nossas cozinheiras se apropriaram dessa cultura, acrescentando a ela os sabores de suas miscigenadas raízes, e se tornaram detentoras de um importante saber, muitas vezes assumindo a responsabilidade de transmiti-lo às novas gerações, que vêm descobrindo a importância de preservar suas raízes.

A arte e a rua
Autoria: Carolina Caffé, São Paulo
Direção: Carolina Caffé e Rose Satiko Gitirana Hikiji
Street dance, grafite, rape gospel. O filme mostra como a experiência periférica urbana tem lugar central na produção dos artistas de Cidade Tiradentes que cresceram junto com o distrito paulista e em suas obras dialogam com seus desafios e sonhos. Cidade Tiradentes é o maior complexo de conjuntos habitacionais populares da América Latina, lugar marcado pela exclusão, com loteamentos clandestinos e favelas, no qual a população orquestra suas dificuldades com dinâmicas próprias de sociabilidade, moradia e apropriação do território.

Kusiwarã Jarãkõ – os donos dos grafismos, arte e saberes Wajãpi 
Autoria: Dominique Tilkin Gallo, São Paulo
Direção: Gianni Maria Puzzo
O projeto pretende abordar a arte gráfica kusiwae os saberes que lhe são associados, entre os Wajãpi que vivem na região do rio Amapari, no Amapá. Os grafismos utilizados na pintura corporal e na decoração de objetos expressam formas específicas de conceber as relações entre humanos, animais e vegetais, além de evidenciar modos diferenciados de estabelecer a autoria e a propriedade dos padrões e composições gráficas. A proposta parte de uma demanda da própria comunidade, que solicitou ajuda para realizar uma série de filmes, nos quais alguns chefes e sábios, com o apoio de professores e pesquisadores wajãpi, poderiam comunicar ao público não-indígena suas concepções fundadas numa sofisticada teoria sobre os “donos” de práticas e saberes, entre as quais se destaca a arte gráfica kusiwa.

O último rastro
Autoria e direção: Marcus Antonio Moura Tavares, Ceará
No sertão do Inhamuns, Estado do Ceará, vive há 96 anos Zé Valadão. Ele é um dos últimos representantes de uma estirpe sertaneja em extinção: os rastejadores. Uma rês perdida do rebanho, um ladrão de cavalos, um assassino que a polícia não encontrou, uma criança perdida na caatinga, nada escaparia da sabedoria e das artimanhas dos Valadões. Ao lado dos irmãos Chagas, Assis e Antonio, já falecidos, transformou-se em verdadeira lenda na região. A palavra de um Valadão valia mais que a sentença de um juiz ou um informe de detetive. Se alguém passasse por eles na vida e deixasse alguma marca no pedregoso e duro chão nordestino, jamais esqueceriam. Para eles é mais fácil se lembrar de um rastro do que de um rosto. Hoje, ainda trabalha em sua pequena roça de milho e na criação de algumas vacas e cabras, além de observar atentamente o progresso do neto e de um sobrinho nas artes e técnicas do rastejar.

João da Mata falado
Autoria: Ana Stela Cunha, Maranhão
Direção: Vicente Alves Pinto
O documentário retratará as relações de João da Mata, mais conhecido como o “caboclo da Bandeira”, encantado na pedra de Itacolomi, e seus familiares, guerreiros, caçadores e pescadores, que vêm à terra para bailar e brincar e, em alguns casos, praticar curas. “Encantados” são entidades do universo religioso do tambor de Mina/Pajé, praticados mais intensamente no Maranhão e atualmente no Pará, Amazonas, e outros estados, por conta das migrações. Ao contrário de muitas entidades e “divindades” de outras religiões, os encantados maranhenses apresentam famílias e mantêm relações sociais permanentes com os “de cá”. João da Mata é um encantado especial para a população rural e quilombola, pois, sendo ele o próprio São João Batista, encarna a figura simbólica de reverência dos bumba-bois durante os festejos juninos. Ao tratarmos da presença dos encantados, trataremos também da constituição de grupos e identidades que manejam secularmente a brincadeira do bumba-boi. 

Dona Joventina
Autoria: Clarice Kubrusly, Rio de Janeiro
Direção: Clarisse Kubrusly e Milena Sá
O documentário apresentará as polêmicas “biografias” de dona Joventina, boneca do maracatu Estrela Brilhante. A escultura de madeira escura ficou durante 30 anos (1965-1996) sob a posse da pesquisadora Katarina Real, antes de ser doada ao acervo do Museu do Homem do Nordeste. Hoje existem duas nações de maracatu que se denominam Estrela Brilhante e que de formas distintas reivindicam a posse da boneca: uma fica localizada no Alto José do Pinho, na cidade de Recife, e a outra, em Igarassu, antigo município dos arredores da capital. O documentário vai mostrar os sentimentos e os usos dos diferentes sujeitos envolvidos com dona Joventina em um projeto fruto de uma sólida parceria entre o cinema, a antropologia e a música.

Baile do Carmo
Autoria: Daniel Eiji Hanai, São Paulo
Direção: Shaynna Pidori
O documentário vai retratar um peculiar baile de gala que há 121 anos vem sendo organizado e realizado pela comunidade negra de Araraquara, cidade do interior de São Paulo. Esse baile é um evento que há 80 anos acontece ininterruptamente no mês de julho, sempre obedecendo a tradição de ter animação musical com música orquestrada ao vivo e uso obrigatório de traje social completo. A narrativa será construída por meio da exploração de três personagens: o presidente e organizador há mais de 20 anos do baile; a musa, uma espécie de miss e cicerone; e um antigo frequentador do baile. O documentário pretende, assim, penetrar na intimidade de seus participantes, captando suas expectativas sobre o evento e seus sentimentos.

As escravas da Mãe de Deus
Autoria: Decleoma Lobato Pereira, Amapá
Direção: Áurea Pinheiro e Cássia Moura
A folia popular “Escravas da Mãe de Deus da Piedade”, celebração em louvor a Nossa Senhora da Piedade que ocorre na região de Igarapé do Lago, distrito do Município de Mazagão, no Amapá, é o fio condutor do filme. A partir dos recursos da etnografia e da música, busca-se uma composição entre palavras, gestos e sons, proporcionada pela observação dos fiéis, seus cantos, silêncios, rostos, movimentos de mãos, olhares, que revelam circunstâncias ritualísticas que comunicam uma paisagem visual e sonora, sem perder de vista a verossimilhança com o ritual e suas características originais.

Kaiowa: Nhe’e Ojapova – a palavra que age
Autoria: Spensy Kmitta Pimentel, Mato Grosso do Sul 
Direção: Edgar Teodoro da Cunha
Os cantos (porahei) e rezas (nhembo’e) dos Guarani-Kaiowa, de Mato Grosso do Sul, são fórmulas verbais que têm uma ação sobre o mundo. Tradicionalmente, eles curam doenças, afastam pragas da lavoura e bichos peçonhentos, anunciam a chegada dos deuses (os Nhanderykey, nossos irmãos maiores), levam mensagens aos seres sobrenaturais que são “donos” ( Jara) das coisas. Eles não só preveem o futuro, mas o conformam. Hoje, os Guarani-Kaiowa vivem em seu mundo uma crise sem precedentes registrados. Confinados em pequenas porções de terra e com os recursos naturais da região onde residem totalmente degradados, eles se veem diante de um momento de impasse: será que suas palavras conseguirão conformar um mundo novo que reverta a crise cosmoecológica por que passam atualmente? Para muitos dos Guarani-Kaiowa, o poder dos cantos continua, de modo que esses encantamentos tiveram papel fundamental na luta política pela retomada de suas terras tradicionais nos últimos anos, como o documentário mostrará.

Hoje tem alegria
Autoria e direção: Fabio Meira, São Paulo 
O documentário acompanha o cotidiano de três circos no Norte e Nordeste do Brasil, tomando como eixo três personagens míticos da tradição circense brasileira: os pernambucanos Índia Morena e o mágico Alakasan, e o amapaense Ruy Raiol. Juntos, representam a tradição do circo de pequeno porte no Brasil. Longe dos grandes centros, esses seres errantes e apaixonados por sua arte lutam para manter firme a tradição do maior espetáculo da terra. Eles revelam, a partir de suas memórias, a importância de se manter viva a troca de saberes, vendo a tradição se perpetuar ao ser transmitida de geração a geração.

Soldados da borracha
Autoria e Direção: Cesar Garcia Lima, Rio de Janeiro
Desde o fim da Segunda Guerra Mundial os soldados da borracha lutam para ser reconhecidos em pé de igualdade com os condecorados pracinhas. Convocados a ajudar os Aliados com a extração de borracha na Amazônia, esses nordestinos ficaram esquecidos na floresta por décadas. A maior parte foi para o Acre e lá ficou. É nesse cenário da luta ecológica de Chico Mendes que os sobreviventes dessa saga contam como a promessa de riqueza deu lugar à solidão e ao desamparo. Em meio a imagens da região nos anos 1940, nas cidades de Xapuri, Rio Branco e Plácido de Castro, eles mantêm a memória acesa e não sucumbem à infelicidade, mesmo que o outono de suas vidas tenha chegado.

Palavras sem fronteira – tradições orais nos limites do Brasil
Autoria: Luciana Hartmann, Distrito Federal
A proposta do documentário é criar uma narrativa audiovisual que contemple a dinâmica das tradições orais que circulam pela tríplice fronteira localizada entre Brasil, Uruguai e Argentina, uma narrativa que dê conta de apreender as nuances e a riqueza desse patrimônio cultural imaterial, com enfoque especial para os sujeitos-contadores, seu tom de voz, sua gestualidade, seu posicionamento no espaço, sua relação com os ouvintes, enfim, sua performance narrativa como um todo. Por outro lado, pretende-se realizar um encontro entre diferentes contadores da região, promovendo uma “roda de causos” multicultural que possibilite revelar parte da dinâmica que caracteriza o viver “na fronteira”, refletido e constantemente recriado nas narrativas orais locais.

Curandeiros do Jarê
Autoria: Camilla Dutervil, Distrito Federal
Direção: Marcelo Abreu Góis
No documentário, um filho de santo nos revela o universo mítico da cura e o período de crise e loucura que os curadores enfrentam ao receber o chamado para aceitar sua missão. As casas de Jarê da Chapada Diamantina nos levam ao encontro com os rituais de cura tradicionais, saberes da medicina ancestral e os mitos criados em torno do encantamento do diamante.

Arte e manhas de Exu
Autoria e Direção: Eliane Coster, Rio de Janeiro
O projeto propõe uma incursão poética no universo simbólico e cultural de Exu, orixá/deus da religião afro-brasileira candomblé intimamente relacionado à sexualidade, à comunicação e ao comércio. Exu é um orixá polêmico no interior da cultura popular brasileira e da história do Brasil, pois tem sido apropriado por outras religiões, muitas vezes de forma negativa. O documentário pretende apresentar um conjunto de elementos audiovisuais que permitam ao espectador compreender e sentir a riqueza de representações e agências que esse orixá produz e opera na cultura popular de modo geral e no cotidiano dos adeptos do candomblé em particular; pretende também problematizar as apropriações de Exu feitas por outras religiões.

Mais informações:
Etnodoc - www.etnodoc.org.br

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