Lugares sagrados para indígenas recebem a proteção do Iphan

Os dois lugares sagrados para as comunidades indígenas do Alto-Xingu, no Mato Grosso, Sagihengu e Kamukuwaká, são agora Patrimônio Cultural do Brasil. O Conselho Consultivo do Patrimônio Histórico aprovou na manhã desta quinta-feira, 24 de junho, por unanimidade, o pedido de tombamento apresentado pelas etnias Waurá, Kalapalo e Kamayurá e reforçado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). 

O presidente do Iphan, Luiz Fernando de Almeida, ressaltou que o tombamento é um marco para os trabalhos da Instituição que está com uma visão mais ampla no que se refere à proteção. “Neste caso do Alto-Xingu, não se pode direcionar a proteção somente à área de arqueologia, até porque a questão cultural é fundamental para a manutenção dos rituais e consequentemente da identidade desses povos”, afirma.

Os dois lugares que fazem parte do Kwarup, a maior festa ritualística entre os povos do Alto-Xingu – partilhada pelas nove etnias que formam seu complexo cultural –, estão fora da demarcação do Parque Nacional. O pedido ao Iphan para tombamento dos lugares sagrados foi apresentado em 2008 com a intenção de garantir a conservação e o direito de acesso às comunidades indígenas ao local, além de preservar a cultura nos seus aspectos espirituais e religiosos das comunidades que participam do rito. 

O representante dos 14 povos indígenas do alto-Xingu, Ianacolá Rodarte, índio do Kamayurá, disse que o rito do Kwarup é vital para a existência da comunidade e comparou a importância dos lugares sagrados de Sagihengu e Kamukuwaká como os monumentos não indígenas. “Estes lugares tem a mesma relevância para nós, quanto os lugares sagrados de outros povos como Meca, Jerusalém, Cristo Redentor, etc.”, disse.    

Com a redução dos limites originais do parque, inferiores ao território histórico de ocupação indígena, as nascentes do rio Xingu foram ocupadas por pólos agropecuários. Hoje, o parque possui aproximadamente 30 mil km² e abriga 14 povos indígenas, espacialmente divididos entre povos do alto, do médio e do baixo Xingu. Ao longo do trabalho de pesquisa desenvolvido durante quatro anos, o Iphan realizou registros textuais, fotográficos e videográficos para obter uma documentação capaz de refletir o patrimônio estudado, que abrange bens de natureza material e imaterial.

Para Maria Clara Migliacio, diretora do Centro Nacional de Arqueologia do Iphan, o tombamento representa não só a ampliação das perspectivas da atuação do Instituto junto aos povos indígenas, como reafirma a ampliação do próprio interesse do órgão por bens culturais ainda pouco considerados nos 73 anos de existência. “O tombamento está na direção dos novos paradigmas do patrimônio cultural brasileiro”. 

O Kwarup e os lugares sagrados 
Embora os integrantes do Alto-Xingu sejam de etnias diversas eles formam uma unidade cultural maior, compartilhando mitos, ritos, cerimônias, um sistema de trocas de bens materiais e especialidades artesanais mas, sobretudo, um sentimento comum de identidade e pertencimento cultural. O Kwarup é um deles. Trata-se de uma cerimônia com duração de alguns dias, de homenagem póstuma a chefes e lideranças. Os indígenas choram, cantam, rendem homenagem aos mortos, dançam, tocam seus instrumentos e lutam. As palavras Kwarup ou Quarup são formas aportuguesadas da palavra kwaryp kamayurá.

O Rito anual estabelece o fim do luto e da tristeza, ao mesmo tempo em que restaura a alegria, a vida, sendo o início de um novo ciclo vital. Acontece sempre no final da estação seca, ou seja, durante o mês de agosto; às vezes, em setembro. Ocorre normalmente em uma das aldeias que tiver perdido um parente importante, cuja família consente e promova, então, a cerimônia, tornando-se o “dono” da festa. O dono, o “convidador” tem que alimentar os seus convidados. Isto significa que ele tenha feito uma reserva para servir a todos os convidados no dia da festa sob pena de sentirem-se ofendidos ou ser mal interpretado como pessoa mesquinha.

Segundo antropólogos, a melhor maneira de encontrar a lógica interna de uma cultura é conhecendo a sua mitologia, pois ela carrega a coerência de cada cultura, dotando-a de sentido, justificando os comportamentos sociais, compondo as tradições e se reatualizando através dos ritos. Assim o Primeiro Kwarup, realizado por Sol e Lua para a mãe deles, fornece às comunidades indígenas do alto-Xingu o modelo exemplar da festa ritualística mais importante. 

Neste ritual, Sagihengu é o lugar onde começa a cerimônia do kwarup e onde as comunidades indígenas afirmar ter ocorrido o Primeiro Kwarup em homenagem a uma mulher: a Mãe. O lugar também tem remédio para ficar forte e bonito, e para sonhar com vida longa. A cerimônia neste local homenageia, efetivamente, a vida, apesar de ser uma cerimônia funerária. O kwarup é uma festa para espantar a tristeza, para acabar com uma situação de luto e encaminhar o espírito para o outro lado, para o lado de cima. No Sagihenhu tem peixe, tem água, tem choro e tem alegria, tem morte que acaba e tem vida que começa, dá início a um novo ciclo de vida. 

Outro local sagrado é o abrigo rochoso Kamukuwaká, que também fica fora do parque e tornou‐se propriedade particular apesar da sua importância para a comunidade xinguana. Kamukuwaká é Sepulcro, é Ventre materno, local de vida e de morte, de passagem de um para outro. O lugar era prisão/sepulcro e local de renascimento, onde o cacique Kamukuwaká e seus parentes ficaram encerrados. Este povo, punido pelo Sol, invejoso de sua beleza, é o antepassado dos Waurá. Foi no abrigo Kamukuwaká que teve início o ritual de furação de orelhas, fazendo morrer o menino e nascer o homem. 

Os dois locais foram mapeados em 2005 e em 2006, durante a primeira etapa do Programa de Patrimônio Cultural, por meio de pesquisas transdisciplinares que envolveu a participação direta das próprias comunidades indígenas. Em 2008, o Prêmio Rodrigo Melo Franco teve como vencedor na categoria apoio institucional e financeiras ações voltadas para estes lugares sagrados. 

O Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural
Formado por 22 conselheiros, especialistas em diversas áreas, como cultura, turismo, arquitetura e arqueologia, é presidido pelo presidente do Iphan Luiz Fernando de Almeida. Ao Conselho Consultivo compete examinar, apreciar e decidir sobre questões relacionadas ao tombamento, ao registro de bens culturais de natureza imaterial e à autorização de saída temporária do país de patrimônio cultural protegido por legislação federal e opinar acerca de outras questões relevantes do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. 

As outras propostas de tombamento que serão discutidos hoje (24), na parte da tarde, no Rio de Janeiro, são: Bens da imigração Japonesa no Vale do Ribeira em São Paulo e Teatro Oficina, também em São Paulo. 

Mais informações:
Assessoria de Comunicação Iphan 
comunicacao@iphan.gov.br
Mécia Menescal – mecia.menescal@iphan.gov.br
Adélia Soares – adelia.soares@iphan.gov.br
(61) 2024-5449 / 2024-5459
www.iphan.gov.br

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