Iphan preserva colônias de imigração japonesa no Vale do Ribeira, São Paulo

publicada em 24 de junho de 2010, às 16h33

 

Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural aprovou hoje, por unanimidade, o tombamento de 14 bens culturais, vestígios da colonização de imigrantes japoneses no litoral paulista 

O chão da sala é de tatame, as camas de futton. A estrutura da casa é toda de madeira, mas não há nenhum prego ou parafuso, as vigas se conectam por sambladuras, os encaixes. Até o telhado das igrejas tem o desenho curvo, como nos velhos templos orientais. A paisagem é dominada por plantações de chá. 

O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) vai atuar na preservação desse cenário, encontrado nos municípios de Iguape e Registro, litoral do estado de São Paulo. O Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural foi unânime na aprovação do tombamento de 14 bens culturais que são representações características da colonização japonesa em território brasileiro, encontradas no Vale do Ribeira, estado de São Paulo.

O dossiê de tombamento desses bens culturais complementa um trabalho em desenvolvimento no Iphan que possui como temática central a Imigração no Brasil. A imigração japonesa no país completou este ano, dia 18 de junho, seu 102º aniversário. De acordo com o Censo do IBGE de 1940, 91,7% dos imigrantes estavam no estado de São Paulo, entretanto, essa proporção vem diminuindo, e a população nipo-brasileira, formada por quase 1,5 milhão de pessoas, tem difundido sua cultura milenar em todo o país.

Cultura de pai para filho
Rubens Shimizu, morador de Registro, é membro da Associação Cultura Nipo-brasileira de Registro, que preserva a cultura deixada por seus antepassados. 

Ele revela sua satisfação com o resultado desse trabalho: “Era um sonho da associação ter algum patrimônio tombado. Conseguimos o reconhecimento oficial da data de 18 de junho como marco da colonização japonesa no Brasi, mas precisávamos de bens preservados que representassem essa história. Esse título do Iphan é como um presente, não só para a associação, como também para toda a comunidade descendente dos imigrantes. Uma das casas tombadas foi onde eu nasci. Para mim é um orgulho muito grande”.

Rubens conta que seu avô, que era agricultor, chegou ao Brasil em 1918, onde decidiu ficar até a sua morte. Na região onde vive, restam muitos aspectos das tradições e dos costumes trazidos do Japão. Algumas atividades, como a gincana esportiva undokai, disseminaram-se por toda a comunidade Registro. A educação e a disciplina são as características da cultura que ele mais preza, aspectos do comportamento pessoal que são ensinados às crianças, em ambiente de muito respeito. Às gerações, são transmitidas algumas atividades tradicionais do Japão, como a prática de ginástica matinal, judô, danças típicas e o uso do taiko, bumbo japonês. Eles comemoram anualmente a Festa do sushi, o Obon odori (festejo religioso praticado durante o mês de agosto) e o Toro Nagashi (celebração em homenagem à alma dos antepassados e entes queridos).

Flávia Nascimento, uma das técnicas do Iphan que conduziu o estudo da cultura transmitida por imigrantes japoneses no Vale do Ribeira, explica a importância de preservação dessa paisagem: “Esses bens que foram tombados hoje representam o esforço do imigrante brasileiro de adaptação ao território nacional. Sua arquitetura é uma mistura das técnicas construtivas brasileiras e orientais, um encontro de duas culturas. O tombamento desses 14 bens do Vale do Ribeira representa o esforço de reconhecimento da cultura desses imigrantes como parte da expressão nacional”.

História da imigração japonesa
Após séculos de regime político sob o shogunato, o Japão iniciou, durante a segunda metade do século 19, sua “modernização” na chamada Era Meiji. As transformações realizadas levaram a inúmeras revoltas camponesas e a enormes deslocamentos populacionais do campo para os centros urbanos. 

A emigração era incentivada pelo governo, como uma alternativa à superpopulação e numa perspectiva de ocupação expansionista, devido à limitação espacial de seu território. Ao mesmo tempo, no Brasil, faziam-se esforços para substituição da mão-de-obra escrava por assalariados e vivia-se a época da expansão cafeeira.

O primeiro passo para viabilizar a constituição das colônias japonesas no estado paulista foi dado em 1912, com um acordo firmado entre o Governo de São Paulo e o Sindicato de Tókio. O compromisso era de doação de vasta extensão de terras na região, além de concessão de recursos financeiros e de isenção de impostos. Em contrapartida, a instituição japonesa deveria introduzir duas mil famílias na região, num período de quatro anos. O contrato foi repassado pelo Sindicato para a Kaigai Kogyo Kabushiki Kaisha (também chamada de Kaiko), que então conduziria toda a colonização japonesa no Vale do Ribeira.

A grande maioria dos imigrantes japoneses eram lavradores, que deixaram uma grande contribuição para a agricultura nacional, introduzindo produtos agrícolas que eram parte de seu cotidiano, como é o caso do arroz. Foram responsáveis pela diversificação da produção agrícola brasileira, principalmente em relação às frutas e hortaliças, trazendo o morango, o poncã, o caqui, a abóbora japonesa, o pepino a acelga, só para citar alguns exemplos. 

As colinas suaves do município de Registro, abrigadas das cheias, ofereceram boas condições para o plantio chá em Registro, onde a mata foi substituída pelos chazais, marcando a paisagem da região. Outro produto típico que os japoneses exploraram nas várzeas foi o junco, usado para produzir as famosas esteiras e chinelos de fibra natural.

O domínio da carpintaria era habilidade de muitos japoneses, técnica secular de sua cultura. Ao chegarem ao Brasil, empregaram estes conhecimentos e seu instrumental específico na construção das edificações. Os ambientes internos de suas eram simples, sem muitas divisórias e poucos móveis. Destacam-se a estrutura de madeira aparente, bem como o uso de tatames e camas de futons. Com o tempo, alguns costumes ocidentais foram sendo incorporados, assim como o mobiliário e o uso de sapatos dentro das residências. 

Primeiras mudas de chá Assam
O plantio do chá preto no país teve início em 1935, quando Torazo Okamoto, imigrante japonês estabelecido na colônia de Registro, introduziu em suas terras a variedade assam, de origem indiana, que apresenta folhas mais largas sendo, portanto, mais produtiva e de maior qualidade. Espalhadas pelo município, fizeram dele o principal produtor e exportador de chá preto do país. 

Dispostas em cinco fileiras acompanhando o declive do terreno, em colina suave situada próxima à Fábrica de Chá Ribeira, as 65 mudas de chá trazidas por Okamoto foram preservadas pela sua família até hoje. São testemunhos da origem e trajetória de vida e de trabalho do imigrante japonês em terras brasileiras, em seu esforço de adaptação e criação de raízes em novo terreno.

O Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural
Formado por 22 conselheiros, especialistas em diversas áreas, como cultura, turismo, arquitetura e arqueologia, é presidido pelo presidente do Iphan Luiz Fernando de Almeida. Ao Conselho Consultivo compete examinar, apreciar e decidir sobre questões relacionadas ao tombamento, ao registro de bens culturais de natureza imaterial e à autorização de saída temporária do país de patrimônio cultural protegido por legislação federal e opinar acerca de outras questões relevantes do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.  

As outras propostas de tombamento que serão discutidos na reunião do dia 24 de junho, no Rio de Janeiro, são: Teatro Oficina, em São Paulo e Paisagens Sagradas do Sagihengu e Kamukwará, dos índios do alto-Xingu, em Mato Grosso.   

Lista de bens da paisagem da Imigração Japonesa em apreciação para tombamento.
Edificações Fabris e Administrativas

1. Sede da Kaigai Kabushiki Kaisha – KKKK (Registro – Colônia Registro)
2. Fábrica de Chá Shimabukuro (Registro – Colônia Registro)
3. Fábrica de Chá Amaya (Registro – Colônia Registro)
4. Fábrica de Chá Kawagiri (Registro – Colônia Registro)
5. Fábrica de Chá e Residência Shimizu (Registro – Colônia Registro)
6. Engenho, Sede Social e Residência Colônia Katsura (Iguape – Colônia Katsura)

Edificações Residenciais 
7. Residência Fukasawa (Registro – Colônia Registro)
8. Residência Gozo Okiyama (Registro – Colônia Registro)
9. Residência Sra. Susu Okiyama (Registro – Colônia Registro)
10. Residência Família Hokugawa (Registro – Colônia Registro)
11. Residência Família Amaya (Registro – Colônia Registro)

E ainda:
Residência Colônia Katsura (Iguape – Colônia Katsura) – forma conjunto com o Engenho e Sede Social, item 6.
Edificações Religiosas
12. Igreja Episcopal Anglicana (Registro – Colônia Registro)
13. Igreja de São Francisco Xavier (Registro – Colônia Registro)

Patrimônio Paisagístico
14. Primeiras Mudas de Chá da Variedade Assam (Registro – Colônia Registro)

Mais Informações:
Assessoria de Comunicação Iphan 
comunicacao@iphan.gov.br
Mécia Menescal – mecia.menescal@iphan.gov.br
Adélia Soares – adelia.soares@iphan.gov.br
(61) 2024-5449 / 2024-5459
www.iphan.gov.br

Compartilhar
Facebook Twitter Email Linkedin