Mais abrangência para o patrimônio cultural brasileiro

Com mais 11 itens reconhecidos em 2010, tombamentos e registros federais somam mais de 1,2 mil bens

A política de patrimônio cultural chega ao final do ano com mais 11 bens reconhecidos em âmbito federal. Este é o resultado das decisões tomadas em três reuniões do Conselho Consultivo da área, órgão responsável pela avaliação dos processos de tombamento e de registro, presidido pelo Iphan e formado por 22 integrantes, entre especialistas de diversas áreas e de instituições do governo e da sociedade. A lista deve aumentar ainda conforme as decisões que serão tomadas no último encontro do conselho, marcado para 9 e 10 de dezembro, no Rio de Janeiro.

Os novos bens estão distribuídos em 9 estados de todas as regiões do país. Conforme a estratégia de consolidação da política de patrimônio cultural em todas as áreas geográficas, os tombamentos e registros efetuados predominam no conjunto do Centro Oeste e Norte, sem deixar de lado o Sudeste, o Sul e o Nordeste.

O Mato Grosso teve dois bens reconhecidos como patrimônio cultural brasileiro. Na reunião de junho do Conselho, foi aprovado o tombamento do conjunto dos Lugares Sagrados dos Povos Indígenas do Alto Xingu. Em novembro, ocorreu o registro do Ritual Yaokwa do povo indígena Enawene Nawe. Ainda no Centro Oeste, houve em março o registro da Festa do Divino Espírito Santo de Pirenópolis, no estado de Goiás.

Do Norte do Brasil, três bens foram acolhidos no patrimônio cultural: a Vila Serra do Navio, no Amapá, tombada em março, o do Encontro das Águas dos Rios Negro e Solimões, tombado em novembro, e o Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro, registrado também em novembro. 

Três tombamentos corresponderam ao Sudeste. De São Paulo, foram aceitos em junho os Bens da Imigração Japonesa e o Teatro Oficina. Do Rio de Janeiro, o Monumento aos Mortos da II Guerra Mundial foi o bem adotado em novembro. 

Do Nordeste, o item tombado em novembro foi o conjunto urbanístico e paisagístico da cidade de São Félix, na Bahia. Por fim, a paisagem cultural de Santa Tereza, no Rio Grande do Sul, foi o bem tombado da região Sul.

Com os tombamentos e registros deliberados pelo Conselho Consultivo, o período de 2003 a 2010 soma 123 novos tombamentos e 20 registros. A lista do patrimônio cultural brasileiro atinge a marca de 1.192 bens materiais tombados e 21 bens culturais imateriais registrados.

Conheça os novos bens do patrimônio cultural brasileiro:

Ritual Yaokwa do Povo Indígena Enawene Nawe – MT
O Ritual Yaokwa é a mais longa e importante celebração realizada por esse povo indígena, atualmente uma população em torno de 540 indivíduos que vivem em uma única aldeia, na terra Enawene Nawe uma área de 742 mil hectares, homologada e registrada, localizada numa região de transição entre o cerrado e a floresta Amazônica, no estado do Mato Grosso. Com duração de sete meses, este ritual define o início do calendário ecológico-ritual Enawene que abrange as estações seca e chuvosa de um ciclo anual marcado pela realização de mais três rituais: Lerohi, Salomã e Kateokõ. Parte fundamental do Yaokwa ocorre quando os homens saem para a pesca de barragem, construídas com sofisticadas armações que se configuram em elaboradas obras de engenharia, dispostas de uma margem à outra do rio. Este é o ponto alto do ritual que começa em janeiro, com a coleta das matérias-primas para a construção das barragens e com a colheita da mandioca.

Lugares Sagrados dos Povos Indígenas do Alto Xingu – MT
Os dois lugares tombados estão localizados fora da demarcação do Parque Nacional, mas são referências essenciais para o Kwarup, a maior festa ritualística celebrada entre os povos do Alto-Xingu e partilhada pelas nove etnias que formam seu complexo cultural. O pedido ao Iphan para tombamento dos lugares sagrados foi apresentado em 2008 com a intenção de garantir a conservação e o direito de acesso às comunidades indígenas ao local, além de preservar a cultura nos seus aspectos espirituais e religiosos das comunidades que participam do rito. Sagihengu é o lugar onde começa a cerimônia do Kwarup e onde as diversas etnias indígenas do Alto-Xingu afirmar ter ocorrido o Primeiro Kwarup em homenagem a uma mulher: a Mãe. O outro local reconhecido é o abrigo rochoso Kamukuwaká, que se tornou propriedade particular apesar da sua importância para a comunidade xinguana. Kamukuwaká é Sepulcro, é Ventre materno, local de vida e de morte, de passagem de um para outro.  

Festa do Divino Espírito Santo de Pirenópolis – GO
Anos e anos de fé e dedicação fizeram da Festa do Divino Espírito Santo em Pirenópolis, estado de Goiás, a mais rica expressão de identidade e religiosidade popular da cidade, onde os moradores se preparam durante um ano inteiro para festejar e participar da histórica celebração. Trata-se de uma das três manifestações registradas no Livro das Celebrações, que inclui o Círio de Nossa Senhora de Nazaré de Belém do Pará e o Ritual Yaokwa.

Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro – AM
Ainda hoje no Brasil, um sistema agrícola é capaz de determinar a organização social de etnias e permite, inclusive, um mapeamento das línguas e costumes. Em linhas gerais, esse é o Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro, entendido como um conjunto formado por elementos interdependentes, como as plantas cultivadas, os espaços, as redes sociais, a cultura material, os sistemas alimentares, os saberes, as normas e os direitos. O cultivo da mandioca brava (manihot esculenta) é a base desse sistema que reúne os mais de 22 povos indígenas que vivem ao longo do Rio Negro, em um território que abrange os municípios de Barcelos, Santa Isabel do Rio Negro e São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, até a fronteira do Brasil com a Colômbia e a Venezuela.

Encontro das Águas dos Rios Negro e Solimões – AM
Os mais de 10 quilômetros em que é possível observar as águas escuras e transparentes do Rio Negro correndo ao lado das águas turvas e barrentas do Rio Solimões, no Amazonas, podem se tornar o mais novo bem protegido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) no norte do país. O Iphan defende a proposta em função da excepcionalidade do fenômeno, considerando seu alto valor paisagístico.

Vila Serra do Navio – AP
A Vila com pouco mais de 3,7 mil habitantes foi projetada pelo arquiteto brasileiro Oswaldo Bratke, com o objetivo de abrigar os trabalhadores da Indústria e Comércio de Minério – Icomi. Concebida para ser uma cidade completa e autossuficiente, uma verdadeira ilha no meio da floresta, foi a experiência precursora na região amazônica na implantação de uma Cidade de Companhia, voltada para a exploração mineral. Bratke escolheu pessoalmente o lugar de implantação. Estudou os tipos de habitação da região, os hábitos dos moradores, e todos os dados referentes ao meio ambiente. 

Bens da Imigração Japonesa – SP
O tombamento envolve 6 edificações fabris e administrativas, 5 residências, 2 igrejas e a paisagem das mudas de chá da variedade Assam. O conjunto documenta a constituição das colônias japonesas no estado paulista, iniciada em 1912, com um acordo firmado entre o Governo de São Paulo e o Sindicato de Tóquio. O compromisso era de doação de vasta extensão de terras na região, além de concessão de recursos financeiros e de isenção de impostos. Em contrapartida, a instituição japonesa deveria introduzir duas mil famílias na região, num período de quatro anos. As colinas suaves do município de Registro, abrigadas das cheias, ofereceram boas condições para o plantio de chá, marcando a paisagem da região. Outro produto típico que os japoneses exploraram nas várzeas foi o junco, usado para produzir as famosas esteiras e chinelos de fibra natural.

Teatro Oficina – SP
O casarão do bairro do Bexiga, em São Paulo, que desde 1961 é o palco do Teatro Oficina, é usado há 26 anos como um teatro público. Seu tombamento visa preservar o prédio e todo o seu lote, que é de propriedade do Estado de São Paulo, além de resguardar o ambiente de criação artística e a paisagem local do tradicional bairro paulistano onde está localizado o edifício. A vegetação também deve ser protegida, para que permaneça emoldurando a visão externa existente a partir do interior do teatro. O antigo imóvel na Rua Jaceguai é um espaço de vanguarda, referência da história do teatro brasileiro e expoente da resistência ao regime militar no Brasil. Já bem diferente de suas feições originais, o prédio foi reconstruído em 1986, com base em projeto da arquiteta Lina Bo Bardi, em que se manteve a fachada simplória de uma casa do Bexiga, mas ergueu-se em seu interior uma arquitetura de desenho moderno, cuja marca é a parede envidraçada de 150m².

Monumento aos Mortos da II Guerra Mundial – RJ
Conhecido como Monumento aos Pracinhas, localizado no Parque do Flamengo, no Rio de Janeiro, foi construído entre 1957 e 1960 e projetado pelos arquitetos Marcos Konder Netto e Hélio Ribas. O conjunto é integrado por três obras: uma escultura de metal homenageando a força aérea brasileira, outra em granito que homenageia os pracinhas das três armas e um painel de azulejos destacando os combatentes e os civis que morreram em operações navais. Simbolicamente, o Monumento aos Mortos da II Guerra Mundial, estiliza duas palmeiras amparando mãos que levam até o céu nossos pracinhas mortos em combate, cujos 468 túmulos se localizam no subsolo.

Centro Histórico de São Félix – BA
A cidade de São Félix, no Recôncavo Baiano, se estabeleceu, no século XVI em função da expansão do porto de Cachoeira como o ponto de partida da Estrada das Minas, importante rota comercial que seguia para Rio de Contas, na Bahia, e para os estados de Minas Gerais e Goiás. Ainda hoje mantém a trama urbana original praticamente intacta. Também é espaço de manifestações culturais, sobretudo religiosas, da população local e mantêm uma interação histórica, urbanística e paisagística com a cidade de Cachoeira, situada na outra margem do Rio Paraguaçu.

Paisagem cultural em Santa Tereza – RS
Localizada às margens do Rio Taquari e do Arroio Marrecão, Santa Tereza conta cerca de 570 moradores que habitam as 250 casas do núcleo urbano. Os outros quase 1,5 mil habitantes moram na área rural. A partir de 1887, os lotes foram distribuídos entre os colonos. Desde essa época a cidade destaca-se pela diversidade e a alta produtividade da agricultura desenvolvida em terras consideradas as mais férteis do estado. Ainda hoje a comunidade tira o sustento da lavoura. Entre os núcleos gaúchos, Santa Tereza é o mais singelo e também o mais íntegro do ponto de vista da ocupação urbana já que mantém quase intactas as características originais do seu traçado.

Compartilhar
Facebook Twitter Email Linkedin