Ritual de povos indígenas do Mato Grosso é registrado como Patrimônio Cultural do Brasil

O Ritual Yaokwa tem a duração de sete meses e rege todo o modo de vida do povo Enawene Nawe, que vive na fronteira entre o cerrado e a floresta Amazônica

O Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural aprovou em sua reunião de 4 e 5 de novembro o registro como Patrimônio Cultural do Brasil do Ritual Yaokwa do Povo Indígena Enawene Nawe, do Mato Grosso. A proposta, apresentada pela organização não governamental Operação Amazônia Nativa - OPAN, com a autorização da comunidade Enawene Nawe, baseou-se na política do Iphan de permanente renovação da gestão do patrimônio, ampliando a proteção sobre a diversidade cultural, perpetuando bens e costumes de todos os cantos do país.

O Ritual Yaokwa é a mais longa e importante celebração realizada por esse povo indígena, atualmente uma população em torno de 540 indivíduos que vivem em uma única aldeia, na terra Enawene Nawe uma área de 742 mil hectares, homologada e registrada, localizada numa região de transição entre o cerrado e a floresta Amazônica, no estado do Mato Grosso. Com duração de sete meses, este ritual define o início do calendário ecológico-ritual Enawene que abrange as estações seca e chuvosa de um ciclo anual marcado pela realização de mais três rituais: Lerohi, Salomã e Kateokõ. Parte fundamental do Yaokwa ocorre quando os homens saem para a pesca de barragem, construídas com sofisticadas armações que se configuram em elaboradas obras de engenharia, dispostas de uma margem à outra do rio. Este é o ponto alto do ritual que começa em janeiro, com a coleta das matérias-primas para a construção das barragens e com a colheita da mandioca. 

O Ritual Yaokwa como Patrimônio Cultural do Brasil
O dossiê sobre o Ritual Yaokwa apresentado pelo Departamento de Patrimônio Imaterial – DPI/Iphan ressalta que o sentido do Patrimônio Histórico Cultural refere-se aquilo que é coletiva e socialmente reconhecido como condição para a reprodução de um modo específico de ser, de viver, de experimentar as relações com a natureza, com os objetos e com a sociabilidade. Todas as sociedades humanas criam laços com o mundo que as rodeia, o que fundamenta as bases da cultura e a identidade de um povo. Nesses termos é que atualmente as paisagens, os ambientes e os recursos físicos e naturais estão incluídos pela legislação como patrimônios culturais. Assim como nos centros urbanos, edificações são tombadas como base física, dotadas de memória e de significações históricas e imaginárias, as populações que habitam floresta ou mesmo zonas rurais, possuem em suas paisagens e meio-ambiente as mesmas bases de construção para seus referenciais históricos, simbólicos e culturais.

O Ritual Yaokwa representa para os Enawene Nawe, no Vale do Juruena, a sua continuidade como povo, a manifestação de sua memória coletiva e histórica, e a expressão de uma estética da existência, que se produz a partir do uso e manejo dos recursos presentes em seu território de ocupação histórica. O rito põe em cena a dramatização de todo o percurso histórico percorrido pelos Enawene Nawe. Também põe em prática os saberes e técnicas desenvolvidas por essa sociedade, transmitidos ao longo do tempo a cada geração. Mas tudo isso está ameaçado. Quando os Enawene Nawe foram contactados em 28 de julho de 1974, pela equipe dos jesuítas da Missão Anchieta, Thomáz de Aquino Lisboa e Vicente Cañas, todo o espaço em torno da aldeia apresentava uma ocupação rarefeita já que a maior parte dos municípios hoje próximos ao território ainda não existiam. 

Hoje os Enawene Nawe têm se tornado cada vez mais desconfiados diante das ameaças que os cercam, como madeireiros e garimpeiros, mas principalmente os impactos ambientais causados pela construção de pequenas centrais hidroelétricas que, embora se localizem fora da terra indígena, vêm sendo construídas em locais próximos às cabeceiras dos rios. Em reuniões internas articulam estratégias e tomam decisões frente às pressões que se intensificam. Destacam a necessidade de atenção constante em relação ao que está “fora da sua sociedade, evitando a participação de tantas reuniões de branco” que, também segundo eles, estão sempre intentando contra seus interesses e ameaçando seus modos de vida. Destacam ainda que o calendário ritual tem sido atropelado por todas essas agendas, promovendo conflitos internos 

De acordo com o Iphan, a rápida transformação na paisagem promove nos Enawene Nawe o sentimento de ameaça a seus eixos de referência no manejo ecológico e territorial e privam as gerações futuras de vivenciar as atividades tradicionais. Isso poderia gerar o colapso do seu sistema de vida e da sua estrutura social. O dossiê do DPI ressalta ainda que a manutenção e reprodução do Ritual Yaokwa dependem diretamente de dois aspectos fundamentais: a garantia da biodiversidade que caracteriza a região e a integridade das lógicas que regem os sistemas de produção e transmissão dos conhecimentos.

Como formas de salvaguardar esse patrimônio cultural, o Iphan propõe diversas ações que deverão ser implementadas com a aprovação do povo Enawene Nawe. Entre elas, o desenvolvimento de estratégias que favoreçam a articulação dos povos do Vale do Juruena, reforçando a participação indígena nos contextos políticos que os afetam diretamente e a elaboração de planos de gestão ambiental que possam dar continuidade à sustentabilidade desse povo com a garantia do equilíbrio ecológico e utilização da biodiversidade. 

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