Piranhas: uma cidade à margem do Velho Chico

Rio São Francisco banha o município de Piranhas (AL)O município de Piranhas, em Alagoas, está em pleno sertão. Os mandacarus e cactos prevalecem ao seu redor, ressaltados pelo amarelo do sol forte. Mas a aparência árida ganha um contraste marcante ao se encontrar com as margens do Rio São Francisco. Foi para preservar essas características diferenciais que a cidade foi tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), em 2004. 

As construções coloniais, ainda do século XVIII, os 13 Km do Rio que vai até a localidade de Entremontes e o valor histórico compõem todo este cenário, que já presenciou acontecimentos como a cena emblemática, na qual as cabeças de Lampião, Maria Bonita e seu bando foram expostas na praça pública da cidade. Para preservar todos esses bens culturais carregados de significados, o Iphan vem atuando de maneira permanente, realizando diversas ações.

Desde o ano de 2010, foi instalada a Casa do Patrimônio de Piranhas, que funciona como um posto avançado da superintendência no estado. Já foram realizadas a requalificação do antigo parque ferroviário, reabertura do auditório municipal e outras intervenções, sobretudo, no atendimento aos moradores e na realização de projetos conjuntos com a comunidade. Essa parceria já concretizou exposições, encontros e cursos. 

Oficina de Miniaturas e Embarcações realizada no município de Piranhas (AL)Um exemplo é a Oficina de Miniaturas e Embarcações, que se iniciou do dia 21 de setembro de 2015 e se encerra nesta sexta-feira, dia 25. A iniciativa tem como objetivo promover a cultura náutica na região – ainda muito presente pela relação da população com o Velho Chico, caminho de águas que, até a segunda metade do século XX, transportava a maioria das cargas e mantimentos e onde se estabeleciam intensas trocas comerciais e culturais. 

A oficina foi composta por 15 alunos, desde adolescentes até figuras locais mais velhas, como seu Manoel, que há 40 anos trabalha com a produção de embarcações e artesanato e pode trocar um pouco do seu conhecimento com os participantes e professor. Ele, que conhece todos os modelos de “Penedo até Pirapora em Minas”, sentiu-se muito orgulhoso em participar e passar a tradição de nomes como mestre Minervino, um dos primeiros a fazer modelos náuticos tradicionais da região, como a cano de tolda, a canoa chata e a lancha Tupã. 

As aulas, realizadas na Casa do Patrimônio, consistiram em ensinar técnicas e capacitar os aprendizes para que possam exercer o modelismo naval de miniaturas e, assim, além de manter os modos de fazer vivos, gerar renda por meio da produção artesanal. Fábio Moura, guia de turismo, participou da oficina por ver uma oportunidade de adquirir conhecimento e renda. Já Elaine Quirino, professora de português e também aluna, ressaltou o aspecto simbólico, pois “a partir do momento em que você começa a criar essas embarcações que são o marco inicial desse nosso rio, podemos deixar o registro para o futuro, pois muitas delas nem estão mais em navegação”. 

Município de Piranhas foi tombado pelo phan em 2004As aulas foram ministradas por Luiz Lauro Pereira Júnior, mestre nautimodelista de Laguna (SC), mas que desenvolveu um importante trabalho no Museu do Mar, localizado na cidade catarinense de São Francisco do Sul e com acervo tombado pelo Iphan desde 2010. Com uma vasta experiência de 20 anos na produção e pesquisa de embarcações de todo o Brasil, ele diz que foram valorizadas na oficina a arte local e a troca de conhecimento, expressas nas pessoas que navegaram nessas embarcações. 

Todos os estudantes receberam certificado de conclusão do curso entregue, na quinta-feira, 24, pela presidenta do Iphan, Jurema Machado, junto com o superintendente do Iphan (AL), Mario Aloisio Barreto Melo, o diretor do Departamento de Patrimônio Imaterial (DPI), TT Catalão, e o diretor do Departamento de Planejamento e Administração (DPA), Marcos José Silva Rêgo. O envolvimento dos moradores em buscar parcerias para salvaguardar seu patrimônio cultural é evidente na fala dos alunos. Jurema Machado ressaltou que o envolvimento da comunidade com as ações de preservação e salvaguarda vêm "desenvolvendo o potencial de cada um, mas contribui mais ainda para o desenvolvimento dessa coletividade de uma forma que é conciliada com a história e o ambiente local".  

Mais cultura 
Além das ações na Casa do Patrimônio, o Iphan, em parceria com o governo estadual, vem realizando o inventário nacional de referências culturais em 102 municípios de Alagoas, incluindo Piranhas. A cidade está sendo estudada em sua relação com o Rio São Francisco, uma vez que, nessas águas, além da beleza natural, que vem se acabando pela distribuição ambiental, ainda residem memórias e expressões culturais pela pesca, pelo modo de navegar nas canoas tradicionais, pelo bordado, pela renda e pelos mais diversos bens que costuram essa história de sertão e água.

Compartilhar
Facebook Twitter Email Linkedin