Emoção marca o primeiro dia de comemoração do Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade

Mesa redonda do Prêmio rodrigoCantigas, depoimentos, vídeos e improvisações. A emoção ditou o tom da Mesa de Debates que apresentou os aspectos fundamentais das oito ações vencedoras da 28ª edição do Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade, ontem, na sede do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), em Brasília. O evento reuniu os proponentes dos projetos e representantes da instituição e da sociedade civil para debater e expor o conteúdo e as ideias dos trabalhos vencedores. A cerimônia de entrega da premiação acontece nesta terça-feira (27) no Clube do Choro de Brasília, a partir das 19h.

Bariani Ortêncio, proponente da ação Preservação da Tradição e da Cultura do Centro-Oeste Goiano através de sua Trilogia Literária, apresentada na primeira mesa, não pôde comparecer. Com 92 anos de idade, ele queria dispensar o avião e fazer os quase 400 km que separam a capital goiana de Brasília de van, pois segundo ele, “seria mais animado”, contou a superintendente do Iphan em Goiás, Salma Saddi. Mas, por problemas pessoais, não pode vir e, apesar de ser muito bem representado pela historiadora Izabel Signorelli, Seu Bariani fez falta. 

Todos queriam conhecer o senhor apaixonado pelo folclore e cultura do Centro-Oeste, que custeia suas próprias viagens pelos municípios de Goiás, onde revela a crianças e adolescentes suas histórias de pioneiro da capital goiana.“Seu Bariani sempre diz que deixar o rastro dele neste mundo é o que há de mais importante”, explicou Signorelli.

Mãe Beata de Iemanjá, responsável pela ação IléOmiojúàrò: Patrimônio Cultural, também não pôde estar presente, mas emocionou a todos por meio de mensagem em vídeo. “Eu, uma mulher negra, do Recôncavo Baiano, descendente de africanos, receber um prêmio por levar, amar e cuidar de um legado que meus ancestrais me entregaram? É muita emoção”, explicou a ialorixá, que terminou dizendo “O (terreiro) Ilé Omijúàròe meu coração estão em festa. Esse pedaço de África é de todo brasileiro que aqui chegar”, disse em depoimento carregado de sentimento. 

A integrante do terreiro Ilé, Luciane Barros, que veio representar a Ialorixá, falou sobre a forma como é cuidado e montado o Acervo Mãe Beata, que reúne peças, cheias de significados, de épocas e histórias passadas, mas que estarão sempre vivas e preservadas na casa de Mãe Beata. “Escolhemos esse nome para o projeto, por pensar que nesse lugar museológico estão guardados bens materiais e imateriais”, contou.

Na mesma mesa, a segunda do dia, o documentário Remeiros de São Francisco, de Minas Gerais, transportou a plateia para o Velho Chico. Dêniston Fernandes Diamantino, proponente da ação, cantou uma das cantigas que os remeiros entoavam ao navegar pelo São Francisco. Filho de uma geração de barranqueiros – pessoas que moram à margem do rio –, ele trouxe para o debate a atual situação do local e a importância de sua preservação. “(O rio São Francisco) já foi cheio de vida, com rica fauna e flora, mas agora está secando. Se ele deixar de existir, acaba também a nossa história”, alertou. 

A música também esteve presente na terceira mesa do evento, que apresentou o Grupo Uirapuru – Orquestra de Barro, do Ceará, e o quilombo indígena Tiririca dos Criolos, de Pernambuco. Tércio Araripe, proponente da primeira ação, exibiu um vídeo que encantou o público com o som dos instrumentos feitos do barro do povoado de Moita Redonda. Perguntado sobre o surgimento da orquestra, o luthier explicou que a origem do grupo formado por crianças da região veio da força ancestral,“que ainda é muito viva na comunidade cearense”.

Já os antropólogos representantes da ação Do Buraco ao Mundo: Quilombo indígena, Nivaldo Aureliano Léo Neto e Larissa Isidoro Serradela, colocaram todos para cantar e dançar ao apresentar uma das atividades de experimentação realizadas no quilombo, que envolve o contato entre os participantes, dança e cantoria. A mediadora da mesa, a coordenadora do Grupo de Trabalho Interdepartamental para Gestão de Patrimônio Cultural de Terreiros, Carolina di Lello, concluiu dizendo “não ser possível vivenciar um projeto como esse sem ser tocado”.

Mesa redonda do Prêmio Rodrigo

Ação de Santa Catarina, o Levantamento das Casas Enxaimel de Blumenau, mostrou as peculiaridades da construção de origem alemã. O carpinteiro Paulo RobertoVolles exibiu um vídeo com o passo a passo de uma das construções enxaimel, feita a partir de estruturas de madeira que se encaixam e são completadas com tijolos em seus vãos. O mediador da penúltima mesa do dia, o diretor do Departamento de Patrimônio Material e Fiscalização, Andrey Rosenthal Schlee, destacou a importância do trabalho realizado por Volles e sua equipe, que “mantêm viva uma técnica antiga que está se perdendo”.

As últimas ações da Mesa de Debates enalteceram a cultura do Centro-Oeste. O Encontro de Culturas Tradicionais da Chapada dos Veadeiros foi representado por Juliano Basso e Aristelina Avelino, que exibiram trecho da tradicional cantoria da Folia do Divino, da cidade goiana Crixás. “Uma das manifestações desse Brasil profundo representado no Encontro”, ressaltou. 

Mergulhar nesse Brasil pouco conhecido também é o propósito da ação brasiliense Re(vi)vendo Êxodos, que incentiva os estudantes a conhecerem a história do Distrito Federal e do entorno, sua cultura local, as condições etnográficas, o patrimônio e a identidade de um povo. O projeto foi representado por seu idealizador, LuisGuilherme Moreira Baptista, professor de História do Centro de Ensino Médio Setor Leste, escola pública de Brasília. Segundo ele, para gerar um Mesa redonda do Prêmio Rodrigointeresse real, é necessário fazer com que os estudantes gostem do que estão estudando. “É preciso sair do círculo vicioso, levantar a autoestima deles. Todos falam que os jovens não são interessados. A verdade é que eles são, mas você tem que se esforçar muito, sentar com eles, dialogar, fazê-los pensar, chorar, dançar catira e cantiga de roda”, diz o professor.

Todas essas manifestações foram descritas pelo diretor do Departamento de Articulação e Fomento (DAF), Luiz Philippe Torelly, como um momento muito especial. Segundo ele, quem estava presente ou acompanhando pela internet, pôde conhecer melhor diversidades de cultura ligadas ao popular, ao dia a dia e, que são genuinamente imateriais. “Estamos cada vez mais ligados aos saberes, as praticas cotidianas do nosso povo”, disse. “Mas nem sempre foi assim. No passado, nos tínhamos uma primazia exatamente daquele trabalho patrimônio que apesar de ser tão importante quanto esse, é patrimônio material, que se caracteriza pela historicidade, excepcionalidade ou raridade”, concluiu.

A grande participação de trabalhos voltados para a preservação de trabalhos imateriais, também foi ressaltada pela presidenta do Iphan, Jurema Machado, que aproveitou para comemorar a longevidade do prêmio. “Poucas premiações duram tanto tempo. São 28 anos de reconhecimento. É difícil ver esse tipo de iniciativa perdurar tanto, geralmente, elas são mais efêmeras”. 
 

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