Iphan consolida normas de preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília

"O estudo da cidade exige a necessidade de articular o conceito de espaço: sem isso,
nem mesmo saberemos do que vamos tratar. O espaço é uma categoria histórica e,
por conseguinte, o seu conceito muda, já que aos modelos se acrescentam novas
variáveis no curso do tempo."

Milton Santos (1926–2001)

Panorâmica do conjunto urbanístico de Brasília

O estabelecimento de legislação específica para preservar o conjunto urbano decorrente do Plano Piloto de Brasília é um debate antigo, que se inicia na implantação da cidade. A lei de organização administrativa do Distrito Federal (Lei nº 3.751/1960) já definia em seu Art. 38, que “qualquer modificação no plano-piloto, a que obedece a urbanização de Brasília depende de autorização de lei federal”. Ou seja, deveria ser submetida ao Congresso Nacional. É também memorável o bilhete do Presidente Juscelino Kubistchek enviado ao então chefe do Iphan, Rodrigo Melo Franco de Andrade, em 15/6/1960, logo após a inauguração da cidade (21/4/1960), solicitando a análise do tombamento do Plano Piloto, pois esta seria a única defesa para Brasília frente “às investidas demolidoras que já se anunciam vigorosas”.
 
Contudo, somente em 1987, quando da inscrição do Plano Piloto de Brasília na Lista do Patrimônio Mundial, é que a cidade ganha a primeira normativa específica de preservação de seu projeto urbanístico. Trata-se do decreto editado pelo Governo do Distrito Federal (GDF) como garantia jurídica para atender à exigência da Unesco (Decreto nº 10.829/87). O Iphan teve participação decisiva na edição desse dispositivo que, aliás, não se constituía em tombamento, mas na regulamentação do Art. 38 da Lei nº 3.751/1960, referida anteriormente.
 
A partir desse ato, a preservação de Brasília entra definitivamente no cotidiano da cidade e com isso as críticas à normativa adotada. Tanto que a primeira iniciativa revisionista surgiu ainda em 1988, quando o GDF, acolhendo as reflexões surgidas em decorrência dos estudos do GT/Brasília1, instituiu ampla comissão interinstitucional para estudar e propor uma nova legislação preservacionista. Contudo, em que pese o avanço do trabalho dessa comissão, que inclusive formulou um anteprojeto de lei para a preservação do patrimônio local, a proposta teve pouca repercussão e ficou restrita às instituições envolvidas. Após a Constituição de 1988 (que deu autonomia política ao Distrito Federal) e o tombamento federal do Conjunto Urbanístico de Brasília (1990), essa questão volta ao debate. Uma das razões é que a normativa adotada pelo Iphan (Portaria n° 04/1990, substituída pela 314/1992) conservava, praticamente, o texto do decreto de 1987.
 
Ao longo dos anos, o Iphan em Brasília esteve presente nas discussões sobre a operacionalidade da normativa adotada, tendo participado de vários estudos revisionistas, como  em 1988, 1992 e 1995, nenhum deles concluído a contento nem formalmente adotado. Brasília seguiu desafiando os conceitos e práticas utilizadas nos centros históricos já estratificados pelo tempo. Aqui tem-se um acervo urbano incomum, de grande extensão, recente, sob uma intensa dinâmica urbana e o que poucos centros históricos possuem: um projeto urbanístico autoral e inconcluso. Por isso, ao longo desses anos tornou-se recorrente no meio técnico, sobretudo dentre aqueles que tem a responsabilidade de tomar decisões quanto à aprovação ou não de intervenções,  o entendimento de que a área tombada continuava requerendo um detalhamento normativo capaz de guardar os  princípios fundamentais da norma original, mas que também oferecesse parâmetros mais objetivos e claramente espacializados. Tal entendimento vinha também sendo corroborado e mesmo reiterado pelo Comitê do Patrimônio Mundial da Unesco, que, no Relatório de Monitoramento de 2001, já apontava a preocupação sobre a normativa vigente, haja vista a diversidade morfológica da área tombada e, na Missão de Monitoramento de 2012, apontou claramente para o Governo Brasileiro a necessidade de definição de um arcabouço jurídico complementar.
 
Assim foi que, a partir de 2013, o Iphan tomou a decisão de acompanhar, influir e contribuir para aprimorar a produção, pelo GDF, do então denominado Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasilia - PPCUB, que continha proposta de atualização da norma, além de outras medidas características de planos de preservação de iniciativa local. Esse esforço, embora não tenha chegado a bom termo, reintroduziu no Iphan a convicção, tanto da necessidade de atualização normativa, quanto do quão fundamental seria a retomada de uma atuação concertada com o Governo Distrital, condição presente apenas nos primeiros tempos da capital. A esse esforço inicial, conduzido pelo Departamento de Patrimônio Material – DEPAM, seguiu-se, a partir do final de 2014, um trabalho ainda mais concentrado e sistemático conduzido pela Superintendência do Distrito Federal, sob a coordenação o arquiteto Carlos Madson Reis, Superintendente do DF a partir de então.  Nesse novo contexto, em 17 de março de 2015, foi assinado Acordo de Cooperação para gestão compartilhada do Conjunto Urbanístico de Brasilia - CUB entre o Iphan e o Governo do Distrito Federal, em nome de quem participam a Secretaria de  Estado de Gestão do Território e Habitação,  a Secretaria de Estado de Cultura e a Agência de Fiscalização (AGEFIS). O Grupo tem atuação rotineira na análise de temas complexos e das demandas normativas, tendo sido fundamental para a produção da Portaria que ora se apresenta.

Trata-se, como dito, de um instrumento de ação complementar à Portaria 314/92, com racionalidade técnica e jurídica suficiente para respaldar o processo de preservação do conjunto tombado, haja vista os desafios que lhes são inerentes. Conquanto se apresente uma abordagem própria e original, não há no instrumento ora publicado a pretensão de ineditismo das ideias e proposições. Tem-se consciência que boa parte do que se propõe integra o ideário preservacionista construído por diversos profissionais que se dedicaram a estudar Brasília ao longo de sua história. Coube ao Iphan sistematizar esses estudos, fazer a leitura crítica de suas proposições e construir uma proposta normativa atualizada, próxima da realidade urbana da área tombada e das questões cotidianas que envolvem a sua preservação. Nessa direção, nunca é demais reconhecer a valiosa contribuição dos diversos profissionais que, ao lado da equipe do Iphan DF, participaram da construção desta proposta, o que reafirma o caráter coletivo de suas proposições.
 
Agradecimento especial deve ser dirigido  ao arquiteto Ítalo Campofiorito, autor dos atuais instrumentos normativos de preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília (Portaria 314/1992 do Iphan e Decreto 10.829/1987 do Distrito Federal) e  membro do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural. Ítalo gentilmente recebeu no Rio de Janeiro a equipe da Superintendência do DF para tratar desta proposta e manifestou seu apoio à iniciativa durante a 82ª reunião do Conselho Consultivo, realizada no último dia 6 de maio, com base no entendimento da necessidade de fortalecimento da normativa vigente, haja vista o dinamismo do processo urbano a que o conjunto tombado está submetido.
 
Evidentemente, o desafio que Brasília nos impõe no campo preservacionista não se resume à instituição de normas para a área tombada. A questão é mais complexa e nos exige novas abordagens, novos instrumentos e novas práticas de gestão, sobretudo uma leitura do conjunto tombado para além de sua condição patrimonial. É preciso incorporar a dimensão urbana de Brasília, posto que sua espacialidade, dinamismo socioeconômico e condição de 4ª metrópole nacional não podem ser ignoradas. Não se trata apenas da preservação de um artefato patrimonial, mas da gestão de uma cidade que é a capital do país, daí a necessidade de se articular o conceito de espaço nos termos definidos por Milton Santos. Espaço como uma categoria histórica, fruto de relações sociais em perene movimento.
 
É indispensável reavivar as competências constitucionais de cada instância federativa no processo de gestão do Conjunto Urbanístico de Brasília, clarificando-se os encargos e as responsabilidades a serem assumidas. Nessa perspectiva, o requisito básico é a construção de um ambiente colaborativo qualificado entre os entes envolvidos, para que se forme um patamar político, institucional, técnico e jurídico mais bem ajustado para acolher e conduzir apropriadamente a gestão compartilhada desse patrimônio mundial. Estamos trilhando o caminho!

Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
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[1] Grupo de Trabalho para Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural de Brasília criado em 1981 (Decreto nº 5.819 de 24/02/1981), envolvendo Governo do Distrito Federal, Ministério da Educação (por meio do Iphan, que coordenava os trabalhos) e Universidade de Brasília. Constitui-se na primeira iniciativa institucionalizada e sistematizada para estudar, propor e adotar as medidas de proteção do patrimônio cultural de Brasília. Sua equipe técnica elaborou o Dossiê de apresentação da candidatura de Brasília ao título de Patrimônio Mundial na Unesco. O GT/Brasília esteve atuante até meados de 1988.

*A portaria e os mapas anexos sofreram alterações. Abaixo os documentos atualizados.

Acesse a portaria
Acesse o Documento Técnico que acompanha a portaria
Acesse os mapas:

Anexo 1 Anexo 6
Anexo 2 Anexo 7
Anexo 3 Anexo 8
Anexo 4 Anexo 9
Anexo 5 Anexo 10
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