A construção tradicional na arquitetura popular é tema de seminário em Salvador

Em uma observação mais atenta, principalmente pelo interior do país, encontram-se construções em pedra, madeira, terra e ouros materiais, erguidas a partir do saber popular. Este conhecimento é tema central do Seminário Arquitetura Popular: Espaços e Saberes realizado na capital baiana dos dias 19 a 21 de outubro. A abertura, que acontece no dia 19 às 14h, contará com a participação da presidente Kátia Bogéa, além de diretores e superintendentes do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

A presidente ressalta que o Iphan tem fomentado pesquisas sobre o assunto também nos estados de Minas Gerais, Pernambuco e Santa Catarina com o objetivo de valorizar e disseminar este conhecimento popular para a sociedade, ressaltando sua importância no meio acadêmico, profissional e de mercado. “Em todos os cantos do Brasil é possível encontrar de remanescentes a construções inteiras erguidas com técnicas construtivas oriundas da experiência popular. Não se pode ignorar ou diminuir este conhecimento. Por isto é importante documentar e divulgar o ofício e saberes de mestres e artífices, buscando também sua preservação, apoio e fomento”, afirma.  

O Seminário traz conferências, debates, mesas redondas e oficinas, reunindo estudiosos, especialistas, mestres e artífices dos estados onde as pesquisas estão sendo realizadas. Na ocasião, os desafios da pesquisa, da identificação e salvaguarda serão discutidos, participando da mesa temática o diretor do Departamento do Patrimônio Imaterial (DPI) do Instituto, Hermano Queiroz. A influência africana nas técnicas construtivas, o papel do poder público e questões relacionadas às condições ambientais, sociais e materiais que impactam a transmissão e a reprodução dos saberes tradicionais na arquitetura popular também integram a pauta do evento. 

Na Bahia, por exemplo, o trabalho desenvolvido com a faculdade de arquitetura da Universidade Federal envolveu 24 municípios e resultou em um guia com fontes bibliográficas sobre a arquitetura popular, como também realizou a identificação dos mestres e artífices da construção tradicional da Chapada Diamantina. A coordenadora do grupo de pesquisa, Márcia Sant´Anna, ressalta que um dos desafios é superar o baixo grau de transmissão e a aplicabilidade restrita das técnicas tradicionais, revertendo sua competitividade frágil no mercado da construção civil e o baixo capital simbólico que detêm hoje junto à sociedade.

Confira a programação completa no site do evento.

Entrevista Márcia Sant´Anna, coodenadora da pesquisa realizada na Bahia.

1 - Em seu artigo Arquitetura Popular: Espaços e Saberes, a senhora observa um distanciamento entre estudo acadêmico e arquitetura produzida fora dos circuitos formais da construção civil. Quais fatores levam a isto?

As técnicas construtivas tradicionais como a taipa de pilão, o pau-a-pique, o adobe e, em suas várias modalidades, as alvenarias mistas e de pedras participaram ativamente da construção do Brasil. 

Imóveis de grande porte, como igrejas, casas de Câmara e Cadeia, engenhos, palácios, solares e sobrados protegidos como patrimônio demonstram isso, assim como mostram que essas técnicas, se executadas e mantidas de modo correto, possuem grande eficiência e durabilidade. Contudo, principalmente a partir do momento em que se instala no Brasil uma indústria da construção, essas técnicas passaram progressivamente a ser definidas como “precárias”, “inseguras”, “inadequadas”, “perigosas” e, em muitos casos, simplesmente associadas à pobreza e à proliferação de doenças.

Isso tudo acarretou um rebaixamento técnico e uma enorme desvalorização simbólica desses modos tradicionais de construir e, consequentemente, a sua rejeição pela academia e pela construção civil de um modo geral. Mesmo assim, elas ainda estão vivas e são amplamente utilizadas em diversas regiões do país. Isso ocorre porque são adequadas, eficientes e, principalmente, estão ao alcance de grande parte da população. 
 
2 – Como estes saberes populares podem contribuir na formação de um futuro arquiteto ou engenheiro?
Em várias situações e em muitos lugares as técnicas construtivas tradicionais podem ser a opção mais rápida, mais barata e mais adequada de construir. Assim, conhecendo-as e aprendendo a lidar com elas, arquitetos e engenheiros ampliam os seus horizontes e o seu repertório de soluções construtivas, inclusive no que diz respeito à adequação ambiental e ao baixo consumo energético. Dessa forma, podem passar a contribuir mais ativamente para a concretização de um desenvolvimento em bases sustentáveis.
 
3 – O que se pode destacar da pesquisa realizada na Chapada Diamantina?
O Inventário dos Mestres e Artífices da Construção Tradicional na Chapada Diamantina, Bahia, revelou que nesta região há uma quantidade expressiva de pessoas que dominam e utilizam técnicas de construção em pedra seca e argamassada, em adobe e em pau-a-pique, além das diversas artes ligadas à carpintaria, à marcenaria e à confecção de tijolos, cerâmicas e telhas. 

Mostrou também como faz sentido do ponto de vista social, cultural e econômico que esses saberes sejam fortalecidos como alternativas reais de construção em diversas localidades, contribuindo para a dinamização de suas economias. 

No que toca mais especificamente à restauração e à conservação do patrimônio, a pesquisa apontou a existência na Chapada de pessoas altamente qualificadas na execução dessas técnicas, que devem ser aproveitadas em trabalhos dessa natureza, principalmente, quando conduzidos por organismos de preservação. 

Por fim, a pesquisa confirmou a importância da realização desse tipo de trabalho em outras regiões do estado da Bahia e também de sua continuidade em outros estados do Brasil e, a partir de seus resultados, a urgência de se implantar um sistema de certificação desses mestres e artífices, de modo que sua inclusão no mercado formal da construção seja possibilitada e amparada. 

De fato, considerando-se as grandes dificuldades e desigualdades socioeconômicas e regionais do Brasil, não faz sentido que um conjunto de políticas públicas, em particular, aquelas relativas à questão habitacional não tirem proveito desses conhecimentos e dessas possibilidades.

Marcia Sant´Anna é Doutora em Arquitetura e Urbanismo, Professora Adjunto II da Faculdade de Arquitetura e professora permanente do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e |Urbanismo da Universidade Federal da Bahia. Também integra o Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural. 

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