Ritual de Povos de Terreiro recebe Moção de Apoio do Iphan

Casa de Oxumaré“Na visão dos povos de terreiro, os rituais de imolação animal significam a entrega do princípio fundamental, denominado de energia vital ou axé, para as divindades, para que toda a comunidade se fortaleça em seu caráter articulado e dinâmico, estabelecendo vínculos com as divindades que dele se alimentam. Cabe ressaltar que não se oferece apenas animais às divindades, assim como a comunidade não se alimenta apenas de carnes. Oferece-se à divindade tudo aquilo que a comunidade come, afinal a divindade também pertence à comunidade e come tudo aquilo que esta comer”. 

Este é um dos pontos da Moção de Apoio às comunidades e povos de matriz africana, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), elaborada em função da discussão, pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal (SFF), no julgamento de Recurso Extraordinário, interposto pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul contra decisão do Tribunal de Justiça estadual (TJ-RS) que validou a Lei gaúcha, de 2003, que permite o sacrifício de animais destinados à alimentação nos cultos das religiões africanas. 

O tema volta a ser debatido em sessão desta quinta-feira, dia 09 de agosto. Em audiência com a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, em março do ano passado, a presidente do Iphan, Kátia Bogéa, apresentou a Moção de Apoio, acompanhada de representantes da Comissão dos Terreiros Tombados da Bahia e defensores de religiões de matriz africana e da diversidade religiosa no país. Durante o encontro no gabinete da ministra, o grupo também entregou, simbolicamente, um parecer doutrinário e um memorial técnico com histórico, legislação e fatores culturais e religiosos em todo o mundo relacionados à chamada sacralização de animais para fins religiosos. 

O advogado Hédio Silva Júnior, que representa os terreiros, afirma que as críticas ao abate de animais em rituais das religiões de matrizes africanas têm como base o racismo e não propriamente a preocupação com o bem estar desses animais. Segundo ele, o abate religioso não é uma exclusividade do Candomblé e ocorre, também entre judeus e muçulmanos que utilizam técnicas próprias das suas religiões para sacrificar animais com fins comerciais e litúrgicos. Hédio Silva Júnior destaca ainda que, “o número de cabeças de gado no Brasil é superior ao de brasileiros e, segundo o Ministério da Agricultura, o Brasil abate por segundo um boi, um porco e 180 frangos, o que evidencia que, se o abate é comercial não há problema, mas se é religioso, sim", completa. 

Manifestações de matriz africanaA preservação e a salvaguarda do Patrimônio Cultural Brasileiro
Destacando o espírito inovador da Constituição Brasileira, que ressalta o dever do Estado de proteger as manifestações das culturas populares, indígenas, afro-brasileiras, e de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional, a presidente do Iphan reafirma o compromisso da instituição com a proteção da cultura de matrizes africanas. Kátia Bogéa afirma que “como o Patrimônio Cultural Brasileiro é constituído dos bens de natureza material e imaterial, incluindo suas formas de expressão, os modos de criar, fazer e viver, as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais, cabe a cada um de nós buscar garantir a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, além de apoiar e incentivar a valorização e a difusão das manifestações culturais”.

Manifestação Cultural Caboclos ou caboclinhosO Iphan atua na proteção e salvaguarda de diversos bens e manifestações relacionados aos povos e comunidades tradicionais de matriz africana. O acervo do Museu da Magia Negra é um deles, tombado na década de 1930. Os bens imateriais registrados representam o seu universo simbólico, traduzido em saberes e tradições como as danças, cantos, poesias (oriquis), mitos, rituais e organizações espaciais. A sua preservação enquanto bem cultural diz respeito à permanência desses aspectos. Entre os bens culturais imateriais reconhecidos, diversos tem relação com religiões de matriz-africana, como o Ofício de Baiana de Acarajé, Caboclinho, Maracatu Nação, Complexo Cultural do Bumba-meu-Boi do Maranhão, entre outros.

Na Moção de Apoio às comunidades e povos de matriz africana o Iphan explica ainda que as práticas religiosas de matriz africana utilizam, para seus ritos, a imolação que, embora comumente tratados como simples rito bárbaro, trata-se, na realidade de parte do sistema de alimentação tradicional dos terreiros, compreendido em uma rede complexa construída ao longo de séculos pelos chamados povos de santo. Assim, os rituais de imolação animal significam a entrega do princípio fundamental, denominado de energia vital ou axé, para as divindades, para que toda a comunidade se fortaleça em seu caráter articulado e dinâmico, estabelecendo vínculos com as divindades que dele se alimentam. Vale ressaltar que os animais são oferecidos também à comunidade e não apenas à divindade. Além disso, também é oferecido aos santos tudo aquilo que a comunidade come, além de carne. Nesses rituais, nada pode ser desperdiçado e, assim, tudo pode ser consumido ou utilizado na construção de utensílios. 

A cultura de Matrizes Africana possui um histórico de baixo impacto ambiental. Os terreiros são espaços sociais próprios, marcados por usos e práticas coletivas de controle e de gestão do território. Na sua relação com o meio ambiente, o povo de santo é enfaticamente preservacionista: a natureza é sagrada e toda a força das divindades que é passada para os seus filhos depende da natureza limpa, intacta, bem cuidada.

Na visão dessas comunidades, os alimentos industrializados, produzidos e distribuídos em supermercados, não atendem aos rituais dos terreiros por serem considerados objetos sem axé. Desta forma, não podem ser oferecidos a suas divindades, pois sua energia está comprometida pela própria natureza despersonalizada, profana e, inclusive, violenta, que caracteriza a produção massificada.

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