Publicação mapeia terreiros afrorreligiosos em Boa Vista (RR)


A pesquisa visitou 11 terreiros de candomblé e umbanda da capital Boa Vista

Narrativas sobre a história, o calendário litúrgico e alguns dos princípios religiosos da umbanda e do candomblé boa-vistense compõem o livro Fé e Resistência - religiões de matriz africana e afro-brasileira em Boa Vista (RR). O lançamento da publicação impressa deve ocorrer a partir de março, mas a versão digital já está disponível para download. Percorrendo 11 terreiros da cidade, a pesquisa que resultou na publicação tinha como objetivo identificar os templos afrorreligiosos, procurando informar e combater o preconceito que ainda marginaliza praticantes dessas religiosidades.

“Quando a gente fala da Amazônia, pensamos uma identidade cultural voltada para a matriz indígena. Ela existe. Mas nosso trabalho é procurar essa diversidade étnica, cultural, religiosa, uma tentativa de, a partir dessa visibilidade, reduzir a discriminação do dia a dia da cidade de Boa Vista”, explica uma das coordenadoras da publicação, Monalisa Pavonne Oliveira, pesquisadora da Universidade Federal de Roraima (UFRR). “O papel da identificação, numa perspectiva mais ampla, é apresentar para o Norte, mas também para o restante do país, uma presença negra, um legado, para Amazônia”, afirma a pesquisadora.

A obra é um dos resultados do projeto História e Memória: produção do inventário participativo das comunidades de religiosidade de matriz africana e afro-brasileira, realizado a partir da parceria entre Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), UFRR e Associação de Umbanda, Ameríndios e Cultos Afro-Brasileiros de Roraima (ASUAER). A proposta do livro é dar uma perspectiva teórica que reconheça a diversidade cultural amazônica, incluindo aspectos religiosos, políticos, sociais e jurídicos, demonstrando como a matriz cultural africana é parte constitutiva do Patrimônio Cultural do Brasil.

Entre 2016 e 2018, o Iphan-RR realizou um mapeamento das casas afrorreligiosas na capital, por meio dos terreiros e de suas lideranças. Já entre 2018 e 2019, passou-se à identificação das referências culturais nos terreiros já mapeados. Os resultados desses esforços estão resumidos nas páginas da publicação, que busca trazer um pouco da experiência desses terreiros, tendo os próprios entrevistados como autores do livro – são os detentores do sagrado, saberes, modos de expressão, ofícios e ritos das casas.

Onze comunidades participaram do levantamento, recebendo os pesquisadores em suas casas. Ainda assim, há outros terreiros em Boa Vista e no interior do estado que não participaram do mapeamento. Dentre as questões abordadas, queria-se saber quais as tradições e nações do terreiro, as histórias em que se assentam, o processo para se tornar sacerdote, além da organização da casa, os ritos, as celebrações e relação do terreiro com a comunidade do entorno.

Para Monalisa Pavonne, a publicação ocupa uma lacuna referente a religiões de matriz africana em Roraima, desmistificando preconceitos históricos contra essas comunidades. “Muitas das dúvidas sanadas pelo livro são bem primárias, dando uma noção dessa religiosidade, quebrando muitos tabus e desmitificando. Isso porque ainda há pessoas que têm uma relação com afrorreligiosidade muito pautada pelo medo”, diz ela. “A partir do relato das próprias lideranças, visualizamos que são religiões como qualquer outra, que pregam a solidariedade, o bem.”

A publicação já está disponível on-line. Está, ainda, em fase de finalização a versão impressa, cujo lançamento deverá ocorrer a partir do mês de março. Exemplares serão enviados às casas participantes da pesquisa, assim como a bibliotecas de todo o Brasil.

Narrativas

Táta Bokulê é o nome religioso de Carlos Alberto Fournier, que foi iniciado no candomblé em Manaus (AM), mas mudou-se para Boa Vista (RR). Ele é liderança religiosa do terreiro Ábassà D’Angola Táta Bokulê, de tradição Angola. “Na cidade de Manaus, onde era o candomblé do meu pai de santo, ele era baiano, veio da Bahia para Boa Vista”, conta Tatá Bokulê, no primeiro capítulo do livro. Em sua casa, as principais festas do calendário litúrgico ocorrem no mês de agosto, como a Kukuana, “que significa a festa da terra para o rei”, diz ele.

Segundo Tatá Bokulê, a festa é “quando louvamos Obaluaê, o grande rei da terra, o senhor defensor da malária, o senhor defensor da caxumba, o senhor defensor da varíola, o senhor defensor da catapora e do sarampo”. De acordo com ele, “no dia dessa festa maravilhosa que acontece em agosto, você traz todas as comidas dedicadas ao Orixá no salão para o povo participar dessa festa, desse banquete”.

Entre as narrativas sobre os orixás cultuados e as lutas políticas diárias que os filhos da casa enfrentam, Tatá Bokulê faz uma consideração sobre a necessidade de preservação da cultura dos povos, independentemente de sua origem, “seja ela do povo negro, seja ela do povo branco, seja ela do povo católico, judaico, seja do indígena”, afirma o sacerdote. “Um povo sem cultura é um povo sem origem, é um povo sem visão para frente. Se você não tem uma cultura que lhe guie, e nós como temos uma cultura, nós somos humanistas, nós vemos a humanidade melhor."

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