Com programação de lives, capoeiristas do Ceará movimentam agenda cultural
“É uma nova ginga que estamos fazendo dentro das redes”, explica Orismídio Duarte, o Mestre Caboré, que segue em isolamento em sua casa, na cidade de Crato, no Cariri cearense. O mestre capoeirista tinha optado, há alguns meses, por sair das redes sociais para se dedicar à sua dissertação de mestrado. Mas agora, em plena pandemia de Covid-19, encontrou motivos para retornar: “É um novo olhar para a utilização das redes sociais, que, de fato, produz conhecimento. E as pessoas estão se encontrando nesses cruzamentos de ideias”, argumenta.
Nesse momento de distanciamento social, principal medida de prevenção ao novo coronavírus, a internet e suas diversas plataformas têm se transformado, mais do que nunca, em verdadeiros pontos de encontro e produção de cultura. Foi esse o entendimento dos mais diversos grupos e mestres de capoeira do Ceará, que têm promovido, diariamente, uma série de lives, oficinas e bate-papos virtuais, proporcionando debates, aprendizado e um aprimoramento contínuo para quem é e quem não é da Capoeira.
Para apoiar e divulgar esse esforço coletivo, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) criou uma espécie de agenda compartilhada das atividades da Capoeira no Ceará. Nela, os próprios detentores informam suas programações e todos podem acompanhar a diversa gama de lives e discussões abertas ao público pelas redes sociais, como o Instagram e o Facebook. Além delas, também estão sendo realizadas oficinas e aulas, mantendo ativas escolas e centros culturais, como fez a Associação Zumbi Capoeira (AZC), de Fortaleza.
Mestra Carla Mara, uma das representantes do grupo, explica que com as aulas online, os alunos mantêm suas atividades e o apoio financeiro que possibilita a manutenção da casa, utilizada, normalmente, como centro cultural e espaço de reuniões e eventos em apoio a cerca de dez comunidades da capital cearense. Além disso, o principal resultado dessas atividades, segundo a mestra capoeirista, é a mudança na energia e no ânimo dos participantes. “É uma luta constante, um desafio, e é nesses momentos que a gente vai se reinventando. Depois que isso passar, vamos ter a oportunidade de sermos outras pessoas e valorizar coisas que, antes, a gente nem enxergava.”
Assim como a AZC, o Ponto de Cultura Capoeira Água de Beber ampliou suas atividades. Também de Fortaleza, o grupo coordenado pelo Mestre Robério Batista, viu no período difícil a oportunidade de realizar projetos que já queria fazer, mas não sabia como, tais como a formação de um grupo de qualificação e aperfeiçoamento – agora, feito à distância, por meio da plataforma Zoom, atendendo 65 pessoas em vários lugares do mundo. Segundo Mestre Robério, as diversas atividades e seus conteúdos vêm sendo planejados para que sejam interessantes para todo tipo de público. “A gente precisa chegar nas pessoas que, às vezes, não estão dentro da Capoeira. Assim, temos o cuidado de ampliar o nosso conteúdo nas lives, que estão sendo feitas três ou quatro vezes por semana. Isso é o que a gente chama de informação inclusiva, pois o nosso conhecimento tem uma forma específica de ser transmitido e, assim, vamos abrangendo o máximo de pessoas”, explica.
Salvaguarda e informação
A Roda de Capoeira e o Ofício dos Mestres de Capoeira são bens registrados pelo Iphan como Patrimônio Cultural do Brasil desde 2008. Presente em todo o território nacional, a manifestação cultural é caracterizada por suas múltiplas dimensões, envolvendo o canto, o toque dos instrumentos, a dança, os golpes e o jogo.
Forte expressão cultural de luta, a Capoeira encontra agora uma forma dinâmica de, mais uma vez, resistir. Com a agenda compartilhada, os mestres capoeiristas do Ceará reforçam sua atuação como patrimônio vivo e expandem seus trabalhos, produzindo e transmitindo conhecimento. As atividades incluem debates e apresentações sobre os movimentos e batuques, ancestralidade, religiões de matriz africana, pedagogia, inclusão, entre outros assuntos e metodologias. Só da semana de 04 a 10 de maio, foram 24 atividades divulgadas pelo projeto. A programação é atualizada diariamente, conforme as informações disponibilizadas pelos próprios capoeiristas.
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