Proteção e Sustentabilidade do Ecossistema
O saber envolvido no Sistema Agrícola do Rio Negro é estratégico para lidar com as limitações e potencialidades do ecossistema da região sem degradá-lo. Baseia-se na coivara - a derrubada de uma área de floresta primária ou de capoeira alta que, em seguida, é deixada para secar e depois é queimada. Nessas clareiras, são plantadas roças por um período de dois a três anos. Depois disso, são gradualmente abandonadas, sendo visitadas, apenas, para a coleta de frutos. Esse tipo de agricultura exige, também, a transferência contínua dos cultígenos de uma roça para a outra. Nesse sentido, fazer uma roça supõe estar inserido em uma rede de troca, fator essencial para a existência do sistema.
Ocorre em condições de baixa pressão demográfica e implica na diferenciação de, no mínimo, três unidades: roças de primeiro ciclo de plantio da mandioca, roças de segundo ciclo com mandioca que serão progressivamente enrique-cidas com fruteiras (sistemas agroflorestais) e capoeira. Essa prática de agricultura de queima e pousio é fundamental para o Sistema, pois daí advém seu caráter sustentável e de invisibilidade diante do manejo do agronegócio no Brasil, onde a paisagem é marcada por extensas plantações de monocultura. A agricultura de coivara é destinada ao consumo familiar e à venda de produtos em pequena escala.
A mandioca é o principal cultígeno e sua importância nesse Sistema não se restringe ao tubérculo comestível, mas, além disso, abrange toda a espécie que a planta representa, ou seja, a sua variedade genética. Todos os sentidos estão voltados para a espécie, deixando o tubérculo em segundo lugar. Diante dessa concepção singular de produto agrícola, é notável a grande diversidade de mandioca cultivada nas roças indígenas. Revela-se, assim, um Sistema marcado pela produção de variedades de plantas como um valor em si, uma vez que não há relação direta entre o uso de uma variedade de mandioca e determinado produto (farinha, beiju, mingau, caxiri, etc.).
Assim, outros valores que divergem daqueles que marcam a agricultura ocidental, estão na base desse Sistema. Na agricultura ocidental, há uma estreita relação entre o cultígeno e o seu produto final e ocorre uma busca pela homogeneização e alta produtividade. Outro aspecto de divergência entre a agricultura ocidental e a elaborada pelos indígenas do rio Negro é que, para estes, a produção dessa diversidade é um bem coletivo que, necessariamente, deve circular e estar na rede de trocas das etnias envolvidas, enquanto para aquela trata-se de uma propriedade privada e da criação de patentes, o que implica no pagamento de royalties.