Marcelo Ferraz: 'Para Lina Bo Bardi, construir é produzir conhecimento'
Em entrevista ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o arquiteto Marcelo Ferraz, que atuou ao lado de Lina Bo Bardi entre 1977 e 1992, em obras como a revitalização do Sesc Pompeia, abordou o legado da produção material e intelectual da arquiteta.
No dia 08 de março, Dia Internacional da mulher, o Iphan homenageia Lina Bo Bardi e lança uma Coleção com seis livros sobre suas principais obras. Na ocasião, Marcelo Ferraz irá participar de uma roda de conversa, a partir das 19h, na Caixa Cultural Brasília.
Iphan – Marcelo, os escritos de Lina Bo Bardi vêm ressurgindo como material de investigação de uma arquitetura do conhecimento. Qual a relevância da faceta escritora de Lina? É uma produção que ainda suscitará muitas pesquisas e outras abordagens sobre sua trajetória?
Marcelo Ferraz – Os escritos de Lina revelam uma grande pensadora humanista. Lina sempre pensou a arquitetura do ponto de vista do homem que a utiliza e nunca como objeto formal ou plástico. A forma sempre foi consequência em não princípio na obra de Lina. Mas o mais interessante é que seus textos são absolutamente conectados, como que amalgamados com sua expressão arquitetônica. Discurso e projeto uníssonos; discurso e projetos sintéticos, como na poesia, sem sobras.
Iphan – Desde a data do centenário de nascimento de Lina Bo Bardi, ocorrido em 2014, uma série de exposições e eventos vêm revisitando o seu legado. Você acredita que suas ideias atravessaram a modernidade, fazendo-se atuais e funcionando como uma reflexão diante à arquitetura monumental no sentido “elefântico”, como ela mesma dizia, em detrimento do sentido cívico-coletivo?
MF – Sem dúvida. Toda essa revisitação de sua obra através de inúmeras publicações, exposições e seminários tem confirmado a força de suas ideias no sentido de trazer de volta a arquitetura aos seus fundamentos, ao seu sentido primeiro que é o de prover o abrigo humano - casa, cidade ou objeto. E essa crueza e contundência de Lina coloca em cheque tudo aquilo que é falso, simulacro ou inútil na vida, em termos de espaço, cidade, ou artefato. Confronta, sem dúvida, a produção da "arquitetura show" tão cultivada nas últimas décadas e que acaba de ser desnudada pela crise econômica mundial. Na contramão, Lina aponta novos caminhos, viáveis, úteis e poéticos.
Iphan – Lina era uma mulher que aliava o impulso construtivo com a produção de conhecimento. Com a publicação da Coleção Lina Bo Bardi é possível ter um panorama deste perfil? Como foi trabalhar na organização deste trabalho?
MF – Esta série de seis obras de Lina poderia até conter mais alguns volumes, porque, apesar de pequena, toda a obra de Lina é essencial e merece destaque. Para Lina, construir é produzir conhecimento, com textos, desenhos ou cimento e ferro. Isso pode ser visto na série de livros com a diversidade formal de sua obra, a variedade de materiais e soluções empregadas em cada uma delas, todas ricas ao seu modo. Foi muito bom preparar esta nova edição depois de alguns anos. Digo nova porque é uma reedição revista, ampliada e redesenhada da série que já havíamos feito com a editora Blau, de Lisboa. Incluímos agora mais um livro sobre o Solar do Unhão, mais textos, desenhos e imagens, mais páginas em todos os volumes. Podemos dizer que esta coleção já nasce como um clássico. Base de estudo para os jovens, livros para arquitetos e leigos. Arquitetura de comunicação franca, língua geral e não cifrada.
Iphan – Lina produzia uma arquitetura política não só no âmbito da crítica falada, mas que pensava a edificação voltada ao comunitário, ao uso social. Levando em conta o cenário atual, você acredita que esse viés de transformação por meio da arquitetura se perdeu ou ainda reverbera?
MF – Quase se perdeu, mas está sendo recuperado. A crise urbana expressada, por exemplo, na questão da mobilidade e violência nos levou ao fundo do poço, ao máximo do desconforto. Essa realidade está forçando os políticos, administradores, construtores, arquitetos, sociólogos, etc a pensarem que é preciso mudar o rumo. O automóvel já é o vilão, não atende à comunidade, polui, ocupa o espaço do caminhante. Isso tem que mudar, ficou evidente. E Lina nos dá muitas dicas, aponta caminhos com sua obra voltada para a convivência, o encontro de pessoas e grupos, para a possibilidade de se questionar o tempo e seu uso na vida urbana. Temos muito a fazer.
Iphan – Qual foi o principal legado que Lina Bo Bardi deixou para a arquitetura e para o modo de se pensar cultura no Brasil?
MF – Na arquitetura, uma obra riquíssima que não se curva a julgamentos fáceis, não cabe nas "escolas" arquitetônicas contemporâneas ou não, não entra nas "gavetas" da mediocridade ou da arquitetura fácil. É uma arquitetura rica, reflexiva, crítica e poética. Afeita a questões locais, brasileiras, mas internacional, planetária. Ao comemorar seu centenário de nascimento estamos vendo o mundo todo atento e surpreso com seu legado.
Serviço:
Lançamento Coleção Lina Bo Bardi e O Turista Aprendiz
Roda de Conversa com Marcelo Ferraz
Data: dia 08 de março, às 19h
Local: Caixa Cultural Brasília - SBS – Quadra 4 – Lotes 3/4
Brasília – DF
Entrada gratuita
Indicação livre
Valor dos livros
O Turista Aprendiz R$ 50
Coleção Lina Bo Bardi R$ 60
O pagamento será aceito somente em espécie ou cheque. Não haverá venda por meio de cartões de crédito ou débito.
Mais informações para a imprensa:
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