Carnaval da Mangueira leva elementos do patrimônio cultural para a Sapucaí

Enredo da Mangueira em 2017 leva à Sapucaí cultura popular, preservada pelo Iphan

No silêncio da oração, ou no entoar dos cantos, o sincretismo da fé no Brasil é um dos elementos marcantes que revelam uma nação construída a partir de sua miscigenação cultural. Desta herança emerge o culto aos santos e orixás presentes em distintas crenças religiosas. Do catolicismo ao Candomblé, os protetores espirituais – muitas vezes os mesmos - recebem veneração dos devotos com pedidos e agradecimentos com vela acesa no altar ou no Congá. 

Só Com a Ajuda do Santo será o tema de enredo apresentado na Sapucaí pela Estação Primeira de Mangueira durante o carnaval de 2017. A ideia de abordar essa herança nacional representada na crença popular partiu do carnavalesco Leandro Vieira e contou com o apoio do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que vem ajudando a Mangueira na pesquisa histórica, social e antropológica sobre o assunto, aproximando a escola de samba das comunidades tradicionais. 

A parceria é uma das atividades em celebração aos 80 anos do Instituto, criado em 13 de janeiro de 1937. As ações conjuntas foram definidas pela presidente do Iphan, Kátia Bogéa, durante visita à Escola carioca Verde Rosa no mês de novembro. Para ela, é uma honra ter elementos do patrimônio cultural representados em uma das maiores festividades do Brasil. “São 80 anos trabalhando na defesa, preservação, salvaguarda e fomento da memória nacional. Este esforço coletivo de décadas tem ganhado cada vez mais o reconhecimento da sociedade, sendo valorizado e difundido para o mundo em eventos internacionais como olimpíadas, e agora, o carnaval”, destaca a presidente do Iphan.Delegação do Iphan é recepcionada pelo presidente da Estação Primeira, Francisco Manuel de Carvalho e carnavalescos mangueirenses

Parceria 
Pra tudo que é santo vou apelar. Para o santo de casa, para o santo de altar. Vou bater na madeira três vezes, vela acesa, copo d’água. Galho de arruda pra espantar quebranto e mau olhado. É essa pluralidade religiosa presente no enredo mangueirense que o carnavalesco Leandro Vieira quer demonstrar. O Presidente da Estação Primeira, Francisco de Carvalho, o Chiquinho da Mangueira, declarou sua alegria em receber o apoio do Iphan e demonstrou muita confiança no trabalho do carnavalesco Leandro Vieira.

A parceria com o Iphan terá sequência após o carnaval. Serão lançados um livro e um vídeo, no estilo making off, a partir da construção alegórica. O projeto busca apresentar o processo carnavalesco ancorado em uma das Matrizes do Samba do Rio de Janeiro – o samba enredo – registrado pelo Iphan como Patrimônio Cultural do Brasil, em 2007. Do trabalho também resultará a exposição instalada no segundo semestre deste ano no Paço Imperial (RJ), onde o público poderá conferir algumas fantasias e alegorias utilizadas na Sapucaí durante o carnaval da Mangueira. 

Patrimônio Imaterial
O Iphan, na trajetória dos seus 80 anos, vem atuando na preservação dos bens culturais de natureza material e imaterial dos diversos grupos formadores da sociedade brasileira. No campo do Patrimônio Imaterial, a sua atuação tem se dado, de forma mais sistemática, através do Inventário Nacional de Referências Culturais, que é um dos instrumentos de identificação desse patrimônio, e do Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial. A política de salvaguarda dessa dimensão do patrimônio propõe o reconhecimento de práticas culturais que os diferentes grupos, inclusive de matrizes religiosas diversas, consideram referências de sua identidade. O reconhecimento demanda uma intensa documentação, mobilização dos grupos e a definição de formas de apoio à continuidade dessas referências, culminando com a inscrição em um ou mais Livros de Registro: Celebrações, Formas de Expressão, Saberes e Lugares.

A Festa do Senhor Bom Jesus do Bonfim em Salvador, por exemplo, articula duas matrizes religiosas diversas, a católica e a afro-brasileira. O festejo que agrega novenas e missa solene do catolicismo, também apresenta características de devoção a Oxalá, do Candomblé, com a lavagem das escadarias do adro da Igreja de Nosso Senhor do Bonfim. 

A manifestação cultural dos grupos de Caboclos, ou Caboclinho – conhecida principalmente por suas atividades no carnaval pernambucano, é outro exemplo desta integração religiosa. Datada desde o final do século XIX, simboliza a memória do encontro cultural e da resistência, sobretudo das populações indígenas e também dos povos africanos escravizados, que reverbera profundamente na história do nordeste rural brasileiro. “Esta manifestação cultural que traz características de sincretismo religioso, foi a mais recente protegida pelo Iphan, após decisão do Conselho Consultivo do Iphan reunido no último dia 24 de novembro”, finaliza Kátia Bogéa. 

Barracão da escola de samba Estação Primeira de Mangueira no Rio de Janeiro (RJ)

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