A força feminina na preservação e gestão do Patrimônio Cultural
Arquitetas, ceramistas, historiadoras, mestres de capoeira, arqueólogas, sambistas, gestoras, paneleiras, antropólogas, cozinheiras, rendeiras. Em todas as frentes e cantos do Brasil, elas são o patrimônio cultural vivo e entregam as suas vidas e sua energia à continuidade dos bens culturais que se constituem na maior riqueza do país. Nesse oito de março de 2017, Dia Internacional da Mulher, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) homenageia a força feminina que atua há 80 anos na gestão e na preservação do Patrimônio Cultural Brasileiro.
A data é símbolo de uma longa luta e provoca reflexão sobre o papel feminino na sociedade e, justamente por isso, é fundamental destacar a presença da mulher enquanto matriz criadora das manifestações e bens culturais, assim como enquanto multiplicadora de conhecimentos e tradições e portadora de saberes essenciais à manutenção da cultura nacional. Além disso, institucionalmente, as mulheres representam um grande ativo nas políticas de preservação do Patrimônio Cultural, tendo exercido relevante papel intelectual nas últimas oito décadas.
As mulheres do Iphan
Além de sua marcante presença na diversidade de manifestações e bens culturais, a força feminina também está na linha de frente das políticas públicas que orientam a proteção e a promoção do Patrimônio Cultural Brasileiro. Em seus 80 anos de história, o Iphan contou com a participação ativa de grandes profissionais mulheres, que dispuseram de seu tempo e seus conhecimentos para produzir um trabalho de excelência nas mais diferentes áreas de atuação dentro do campo do patrimônio.
Judith, Lina, Belmira, Heloisa, Dora, Kátia, Márcia, Lygia, Jurema, Maria, Leda, Cláudia – são os nomes de algumas das mulheres que ajudaram a construir a história do Instituto. Ainda em 1936, o Serviço do Patrimônio funcionou em bases provisórias e, já nesse momento, sua pequena equipe contava com as duas primeiras mulheres que trabalharam na instituição: a secretária Judith Martins e a datilógrafa Hélcia Dias.
Atualmente, quase 50% dos servidores do Iphan são mulheres, 15 entre 27 superintendências têm lideranças femininas e as cinco Unidades Especiais do Instituto são dirigidas por mulheres. Também são quatro as presidentes do Iphan ao longo de sua história: a museóloga Lélia Coelho, a arquiteta Maria Elisa Costa, a arquiteta Jurema Machado e a historiadora Kátia Bogéa, esta última à frente da instituição desde o ano passado, trazendo para a sede uma experiência de 34 anos no Instituto, onde entrou como estagiária da Superintendência do Maranhão. É importante ressaltar ainda, os 35 importantes nomes femininos da área da cultura e das artes que tiveram participação no Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural, a exemplo da antropóloga Heloisa Alberto Torres, membro da sua primeira formação, em 1938.
Conduzindo um trabalho de excelência, servidoras, colaboradoras, estagiárias e estudiosas do campo do patrimônio cultural unem seus esforços diariamente na gestão e na condução de ações que visam o fortalecimento e a preservação das diversas faces e formas da cultura nacional.
As mulheres do Patrimônio Cultural
As mãos treinadas das mulheres paneleiras de Goiabeiras, no Espírito Santo, são responsáveis pela fabricação artesanal das panelas de barro que ganharam o mundo ao reunir e misturar as culturas indígena, portuguesa e africana. O saber, passado de mãe para filha por inúmeras gerações, está profundamente enraizado no cotidiano e na cultura popular capixaba e é hoje um de seus maiores símbolos.
E quem nunca se esbaldou no tabuleiro de uma baiana de acarajé? O bolinho de origem africana é comida de santo nos terreiros de candomblé e comida de todas as gentes nas ladeiras e ruas de Salvador, na Bahia, que se estendem em sabores e saberes por todo o país. Forma de sustento e autonomia de tantas mulheres, o ofício é também oferenda a Iansã e representa um aspecto fundamental do universo cultural da Bahia e do Brasil.
De linha e agulha em mãos, as mulheres rendeiras de Divina Pastora, no Sergipe, criam contornos e formas que encantam os olhos com a renda irlandesa – um ofício relacionado ao universo feminino e que tornou a cidade um verdadeiro polo artístico que é referência Brasil afora. Ponto por ponto, elas vão contando suas histórias, vencendo suas lutas e enaltecendo sua fé com a maestria da condução do fitilho e do cordão.
Importantes representações culturais do povo Karajá, as bonecas ritxòkò são confeccionadas exclusivamente por mulheres em técnicas tradicionais e modos de fazer transmitidos oralmente, de geração em geração. Enquanto instrumento de socialização das crianças, as bonecas representam importantes sistemas de significação da cultura Karajá, enquanto fonte de comunicação e continuidade de seus valores e forte expressão de sua identidade.
Nas comunidades ribeirinhas do Baixo Amazonas, o talento das artesãs que preparam e decoram as cuias são expressão cultural e símbolo da identidade paraense. A planta cuieira fornece a matéria prima que a força e sutileza dos gestos femininos transformam em diversos produtos, que representam as complexas dinâmicas de ocupação do espaço amazônico e as formas de aproveitamento dos recursos naturais da região de maneira sustentável e artística.
As mulheres também desempenham papel fundamental para a existência e continuidade de outras manifestações culturais brasileiras, como o sistema agrícola tradicional do Rio Negro, o tambor de crioula, o jongo, o samba de roda e a capoeira. Em incontáveis vezes, seu trabalho é ainda a peça chave na arquitetura, no planejamento das cidades, nos achados arqueológicos, nas expressões artísticas e em tantas outras expressões da identidade nacional, nas quais a ação, o canto, o ritmo, os gestos e a intelectualidade feminina produzem as formas e dão o tom do Patrimônio Cultural Brasileiro.
Celebrar cada uma dessas mulheres, e as muitas que virão, é, portanto, celebrar também essas manifestações, realçando-as sob um ponto de vista que é criador e criativo, que move e transforma, e que engrandece, a todos, enquanto povo brasileiro.
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